Sócrates
é, geralmente, conhecido como um grande filósofo, mestre do divo Platão- mas
poucos sabem que ele era também um exímio escultor.
Um
dia recebeu Sócrates um pedido do prefeito de Atenas para esculpir a estátua de
uma ninfa a ser colocada num bosque ao pé de uma fonte.
O
filósofo aceitou a encomenda. Sem tardança, mandou vir o bloco de mármore
branco, de Paros, e pôs mãos à obra.
Depois
de mentalizar intensamente a efígie da ninfa, empunhou o martelo e foi
desbastando o bloco de mármore. Grandes lascas voaram para direita e para a
esquerda da oficina.
Depois
deste trabalho rústico, o escultor pôs de parte o martelo e outros instrumentos
pesados, e começou a trabalhar com ferramentas mais delicadas , como o cinzel,
e, por fim, serviu se dum finíssimo esmeril para dar acabamento à
estátua.
Finalmente,
estava na oficina do escultor uma efígie de imaculada alvura, uma figura de jovem
esbelta, como os antigos imaginavam as divindades dos bosques e das águas. Tão
leve era o aspecto que parecia flutuar livremente no ar; parecia antes uma
entidade astral do que uma estátua material.
Por
quê?
Porque
ele não aceitava ter esculpido a ninfa; ela já estava oculta naquele bloco de
mármore, desde o início, e muito antes de ser visível. Eu, dizia Sócrates, já
via a ninfa no dia em que fui buscar o bloco de mármore; apenas retirei dele o
que a ocultava aos olhos dos que não a podiam ver antes disso; nada
acrescentei, apenas retirei o que a encobria.
Sócrates
dizia uma grande verdade. Ele era um grande intuitivo. Viu o que os outros não
viam. No ser humano via ele muito mais do que o corpo material- via a alma
imaterial. Mas como nem todos podem ver o invisível, é necessário que alguém
desbaste o bloco bruto e amorfo, para que apareça a ninfa que nele está
oculta.
Muitas
vezes é a dor esse escultor carinhosamente cruel. Parece odiar o bloco bruto, de
tanto amor que lhe tem. E, se o bloco humano não se defende contra as
marteladas do sofrimento, a ninfa divina da sua alma pode manifestar se.
Mas,
se o homem passa a vida em brancas nuvens, como diz o poeta, nada
acontecerá.
"Quem
pela vida passou em brancas nuvens.
Em
plácido dorcel adormeceu
Quem
pela vida passou e não sofreu.
Não
foi homem, foi projeto de homem.
Que
passou pela vida e não viveu!"
Francisco
Octaviano
O
mundo está repleto desses projetos de homens, assim como uma jazida de mármore
está repleta de projetos de ninfa.
O
projeto de homem só conhece gozo- e nada sabe da felicidade. E passa a vida
toda em brancas nuvens, trocando gozos por felicidade. E, quando alguém procura
mostrar lhe o que é felicidade, o projeto de homem gozador diz que a felicidade
é utopia e misticismo de sonhadores que não conhecem a vida.
Para
tirar de um bloco bruto uma efígie de beleza, deve o escultor acima de tudo,
ter a intuição daquilo que ainda não existe materialmente; deve poder ver para
além dos véus da matéria: deve poder conceber de dar luz à sua ninfa, mesmo por
entre as dores de uma longa gestação.
Toda
felicidade passa pelo sofrimento prévio. Toda alvorada é a luz que segue às
trevas da noite.
Por Huberto Rohden