ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

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Palestras transcritas de Huberto Rohden (Curso de 1978 - Série Lao Tsé)

Comentário(s)



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Palestras Huberto Rohden (Série Lao-Tsé)




TRANSCRIÇÃO DA AULA 16 - Lao-Tse e Confúcio

Curso Filosofia Univérsica
Huberto Rohden
Aula 16              
12/09/78
Lao-Tse e Confúcio

Já digo que não é fácil, que não é muito horizontal, que é terrivelmente vertical, paradoxal, absurdo. Eu sei que muitos pensam que absurdo é falso. Não é verdade. Absurdo é sublime, paradoxal é sublime.

Um grande escritor cristão do 2o século, Tertuliano disse: eu creio no mundo espiritual porque é absurdo. Credo quia absurdum. Porque as coisas sublimes e transcendentais são sempre absurdas. As coisas corriqueiras, de cada dia não são absurdas. Por que é que as grandes verdades são paradoxais? Por uma razão muito simples. As grandes verdades são paradoxais porque são intuitivas. Não são analíticas. Não são produtos dos sentidos nem da inteligência, mas de invasão cósmica da razão. E tudo que vem através da intuição, portanto, através da pura racionalidade – não da intelectualidade, mas da racionalidade cósmica - e se encontra com a nossa mentalidade humana há um choque, porque nós não podemos analisar uma intuição. Uma intuição está para além de toda análise intelectual. Ela é transmental, ultra-intelectual. E quando nós começamos a analisar as grandes verdades, elas sempre parecem falsas, parecem contraditórias. Então dizemos que são absurdas. Mas absurdo em latim e paradoxo em grego não quer dizer falso. Quer dizer além da mente, além do intelecto. É transmental. É ultra-intelectual.
           
Se vocês lêem o Quinto Evangelho do apóstolo Tomé que foi achado no Egito, vocês vão ver que é igualmente absurdo. Não é muito compreensível – aquele Tomé que na primeira páscoa queria ver para crer. Isto não é absurdo, ver para crer é bastante inteligível. E este Tomé foi para a Índia. Morreu em Madras, na Índia. Os portugueses construíram uma igreja de São Tomé lá na Índia e lá dentro estão os restos mortais do apóstolo Tomé que escreveu o Quinto Evangelho.
           
No princípio, no tempo de Jesus, ele queria ver para crer, mas quando ele viveu na Índia não quis mais nem ver, nem crer, mas também saber. Isto é absurdo. Saber sem ver nem crer - é absurdo. E por isso o Evangelho de Tomé é terrivelmente absurdo. E esta filosofia de Lao-Tse é muito absurda porque é inteiramente intuitiva. E quando nós analisamos o que foi concebido através da intuição racional, (não intelectual, mas racional, cósmica) então sempre temos a impressão de que está errado. Quando não se pode compreender uma coisa, mas apenas inteligir, então nós achamos que está errado.
           
Compreender é uma coisa muito difícil. É racional, mas inteligir é puramente intelectual. As inteligências são inteligíveis, mas não são compreensíveis. Compreender é muito além de inteligir.

Tese 

 antíteses

Síntese  

Aqui na capa do livro está o emblema deste paradoxo, o Tei-gi. Eu mandei fazer em ponto maior, para se ver de longe. Aqui tem três círculos. 1o – um círculo inteiramente branco. 2o – duas partes deste círculo, uma parte preta com um olho branco, e a outra metade branca com um olho preto. E 3o - unidos num único círculo - são duas metades. Tese, antítese e síntese, segundo a classificação de Hegel. Aquele filósofo alemão. Ele chama isto: tese, antítese e síntese. É exatamente toda a filosofia da China. É isto. Toda filosofia de qualquer pensador profundo da China é tese, antítese e síntese. Isto é muito paradoxal.
             
Nós vamos primeiro falar um pouco de Lao-Tse, em vez de entrarmos na doutrina dele. Talvez seja bom saber um pouco da vida dele. Não sabemos quase nada. É quase tudo lendário o que sabemos através de Lao-Tse. Porque ele viveu 700 anos antes da era cristã e nós estamos agora quase 2000 - nos separam 2 600 anos da vida dele. O que se sabe é quase tudo lendário. O povo chinês conta muitas coisas em torno de Lao-Tse. Ele se tornou pouco a pouco o filósofo mais profundo da China. Não o mais popular. O mais popular é Kong-fu-Tse - latinizado Confúcio, mas é Kong-fu-Tse. Esse é um filosofo muito popular na China. Mais é inteiramente horizontal. É moral, social, mas não é metafísico nem místico.
           
Mas o Lao-Tse não é nada popular, mas é profundo, porque a popularidade geralmente é superficial, mas a metafísica e mística são coisas profundas. De maneira que podemos dar a Kong-fu-Tse uma linha horizontal: __________ e podemos dar a Lao-Tse, uma linha vertical. 



           
Nós temos que lidar com esta linha vertical. Por isso vamos omitir o Confúcio por enquanto, vamos tratar profundamente do Lao-Tse.
O povo da China conta o seguinte: Vivia um pobre pescador à beira de um rio e esse pescador chamava Chiang-Fu. E um dia ele estava pescando com um caniço de bambu, lá no rio, para tirar um peixe. Quando chegou um emissário da corte imperial da China. Naquele tempo a China era império, então chegou da corte imperial de Pequim um emissário do imperado, falou com Chiang-Fu o pescador. Ele disse:

-Eu tenho aqui um canudo que o imperador lhe mandou.
O pescador disse:
-Eu não posso pegar este canudo com as mãos sujas, faça o favor de abrir este canudo, e o que o imperador me manda dizer.
E o emissário abriu o canudo, um pergaminho muito solene e leu:
-Sua majestade imperial nomeia o senhor, 1o ministro do império. E Chiang-Fu é nomeado 1o ministro do império com todos os direitos e todos os privilégios... etc... etc... com toda a burocracia. 
            Então disse o pescador:
- O sr vem de Pequim, não é? Consta que vocês têm lá no palácio imperial uma tartaruga de ouro que é venerada como uma coisa sagrada. Até tem um altar e uma capelinha lá. E que se acendem velas o ano todo... Um círculo de velas em homenagem à tartaruga de ouro. É verdade isso?
-É verdade, disse o emissário. Nós veneramos essa tartaruga de ouro como uma coisa sagrada, há milênios.
-Está bem, disse o Chiang-Fu, o pescador. Eu antes de aceitar essa nomeação eu teria de ir lá onde está a tartaruga de ouro. Mas eu preciso ficar aqui com as minhas tartarugas que não são de ouro. Mas são vivas. Aquela tartaruga de ouro não é viva. Mas estas aqui, muito minhas amigas são vivas, então eu prefiro ficar aqui com as minhas tartarugas e pescando neste rio.


O emissário ficou estupefato. Pensava que ele ficasse encantado com a nomeação de1o ministro do império, mas, Chiang-Fu disse que não podia aceitar porque não podia abandonar a sua vida simples de pescador com suas tartarugas vivas, para morar ao lado duma tartaruga morta, não viva. E o emissário teve que bater em retirada. Levou o canudo e o documento de nomeação do ministro e voltou para Pequim.
           
No dia seguinte o emissário foi procurado pelo bibliotecário e historiador da corte imperial da China. Este bibliotecário da corte imperial da China chamava-se Lao-Tse. Era bibliotecário e historiador. Tinha 40 anos. O Lao Tse quis falar com o emissário e disse:

-É verdade que tu te encontraste com um pescador que devia ser o 1o ministro do império e foi nomeado pelo imperador e ele não aceitou a nomeação? É verdade?
-É verdade, disse o emissário. Ele disse que não podia deixar as suas tartarugas e a sua vida simples para vir a Pequim.
E disse Lao-Tse:
-Você tem o endereço desse homem que recusou ser o 1o ministro do império por causa da sua vida simples?
-Tenho, sim. Explicou onde ele morava, no rio tal... Não viu a casa dele, mas ele sempre está pescando neste rio.
-Está muito bem disse Lao-Tse. Eu preciso falar com ele.

Poucos dias depois Lao-Tse, o bibliotecário-historiador imperial da corte desapareceu. Não levou nada senão um maço de papéis e um lápis. Só. E foi procurar o Chiang-Fu. Finalmente o encontrou, outra vez com os pés no chão, no lodo, pescando... Pescando no rio. Aproximou-se dele e disse:

- Teu nome é Chiang-Fu? Tu foste nomeado 1o ministro do império e recusaste?
- Foi. Vieram aqui para me nomear, mas eu não aceitei.
- E como é que você explica isto?
- Bem, disse, eu estou tão feliz aqui, porque é que eu vou procurar outra felicidade maior do que esta? Eu sou tão feliz aqui, há muitos anos que eu moro aqui.
-Mas, perguntou o bibliotecário Lao-Tse. Como é que podes ser feliz, não tem nada, não é?
-Não, eu não sou feliz por não ter nada, disse Chiang-Fu. Eu sou feliz por não precisar de nada e não desejar nada. Por isso eu sou feliz. Quem não precisa de nada e não deseja nada é feliz.
Lao-Tse ficou tão impressionado por essas palavras e disse:
- Posso morar em sua casa? 
-          Bem, casa eu não tenho, mas eu durmo debaixo daquele rochedo saliente, ali, enorme... (onde não chovia). Eu durmo lá.Tem lugar para dois. Pode fazer a sua cama.
Lao-Tse se estabeleceu debaixo daquela mesma pedra saliente e foi morando junto co Chiang-Fu... Pescando e pensando, pensando e pescando...
           
Depois de alguns anos Chiang-Fu morreu. Ele adormeceu e de manhã, quando Lao-Tse quis pescar juntamente com ele no rio, ele não deu sinal de vida e Lao-Tse verificou que estava morto. Tinha morrido durante o sono. Já tinha idade. Ele o enterrou a beira do rio e ficou sozinho morando debaixo daquela pedra saliente. Quarenta longos anos ele morou neste mesmo lugar. Lao-Tse... Pensando... Pescando..., Pensando... E meditando... E sendo muito feliz. Até os 80 anos viveu lá. 40 anos na corte imperial e 40 anos à beira deste rio. Aos 80 anos Lao-Tse deixou a sua casa debaixo do rochedo, cruzou a fronteira ocidental da China e desapareceu. Mas a China estava cercada duma muralha, a célebre muralha chinesa que não cercava toda a China, mas grande parte contra a invasão dos mongóis.  E desse lado onde o Lao-Tse estava, havia uma muralha muito alta de pedra e tinha um guarda da fronteira da China ocidental. 
           
E o guarda conhecia Lao-Tse e disse:

tu és aquele eremita, aquele filósofo que morava lá do outro lado do rio? Podes me dar uma síntese da tua filosofia da felicidade, porque consta que tu és um homem muito feliz.

                        -Sou mesmo, ele disse. A minha filosofia é muito simples. Não pode explicar nada. Tirou debaixo do braço um maço de papéis e disse:

- pode levar isso aqui. E deu o que ele tinha escrito durante esses 40 anos de solidão. Pouca coisa. Umas poucas folhas de papel, aqueles ideogramas esquisitos que os chineses usam até hoje, entregou aos guardas da fronteira e disse: - ai está toda a minha filosofia da felicidade.
           
O guarda da fronteira guardou felizmente aquele maço de papéis e é o que nós chamamos agora isto aqui (o livro). Ele entregou a um sadu, (Sadus são os letrados) porque ele não entendia bem essas coisas, e o sadu verificou que era uma coisa muito importante e muito profunda. Felizmente ele guardou o maço e mais tarde foi recolhido e copiado pela biblioteca imperial da China, e mais tarde foi publicado. São 81 aforismos, não são capítulos propriamente. Às vezes tem só meia dúzia de linhas que chamam capítulos. São aforismos. Sentenças soltas, sem nexo um com outro. São 81 capítulos que depois foram publicados.
           
Isto o povo conta sobre a história misteriosa de Lao-Tse. Ele desapareceu e nunca mais ninguém soube nada dele. Mas, felizmente o manuscrito que ele tinha entregue ao guarda da fronteira não se perdeu. Isto foi chamado mais tarde Tao. Isto quer dizer, a Divindade, a Realidade, corresponde em sânscrito Brahman, mais ou menos. Mas não podemos traduzir por Deus porque não se trata dum deus pessoal. Trata da Alma do Universo. Essa seria a melhor expressão. Alma do Universo, como diz Spinoza. Einstein chama isso a Lei. Isto aqui se chama Tao, o livro que revela Deus. Este título, naturalmente não foi dele, mas isto foi dado mais tarde. O conteúdo é dele.
           
Eu mandei pôr aqui na capa o tei-gi – que é o símbolo da China desde o tempo imperial, há 2600 anos. Eles usam esse símbolo misterioso para a sua filosofia. E dentro do livro desdobrei este símbolo em 3 fases, porque isto compreende pode-se dizer, toda a filosofia da China – que não é outra coisa senão: tudo neste mundo é tese que depois se desdobra em antítese. Antítese quer dizer (anti) contra + (tese) posição = contraposição. São duas palavras: anti e tese. A tese se revela em forma de antítese e às vezes as antíteses positivas e negativas dão uma síntese. Porque quando há síntese há sempre um positivo e um negativo. E quando os 2 se unem harmoniosamente, isto chama síntese. Posição e contraposição. O positivo é contra o negativo. E depois vem a síntese, composição. Sín (syn em grego) = com. Tese, antítese e síntese. E isto se pode dizer, compreende toda a filosofia da China.
           
Em nossas palavras nós chamaríamos isto: universo. Poríamos aqui uni + verso = universo.
Tese + antítese = síntese
Uno + verso = universo.

O sentido é mais ou menos a mesma coisa. Mas já com os dois sinais sintetizados. A isso se pode reduzir tudo - todo o pensamento da China.

Neste livro eu expliquei em parte esta completaridade das duas antíteses. O 1o é neutro. Isto é Tao, é Brahman ou é a Alma do Universo. Bem, podem chamar como quiserem, mas não dar um nome pessoal.


  

                                           
Depois o neutro desmembra em positivo e negativo. A Essência não tem tempo, nem espaço. Isso é eterno e infinito. A Essência é a realidade. Sem princípio (eterno) e nem fim e sem limite (infinito). Então aqui temos a realidade infinita: Tese, O Uno, o Eterno, o Infinito, Brahman, Tao, Yahve. Mas, como isto não é uma tese passiva, mas uma tese ativa, ou como diz Aristóteles, pura atividade – Deus é ato puro – quer dizer, não é passivo. Não é passividade, mas é pura atividade. É dinâmica e não é estática. E como isto é pura atividade, o ativo se manifesta – o uno se manifesta em verso. Verso positivo e verso negativo. Verso quer dizer, vertido. Vertido, derramado, esparramado.
           
Em vez de vertido podemos dizer verso. Dizer que alguém está introvertido... - ou podemos dizer que está introverso. Fulano está extrovertido – está extroverso. Verso é palavra latina, mas usamos também em português. Usamos tanto extrovertido como verso. Então o verso quer dizer derramado... O que é vertido, esparramado. Isto aqui se verteu em forma disto.  O incolor se manifesta ou derrama, ou difunde, ou esparge em forma de creaturas positivas ou negativas. O positivo é o branco. E o negativo é o preto.

Estranhamente, este símbolo, o preto tem um nozinho branco e o branco tem um nozinho preto. Quer dizer, é como uma célula com o seu núcleo. Esta célula preta pode produzir a célula branca e a célula branca também pode produzir a célula preta. O branco tem um núcleo preto e o preto tem um núcleo branco.

Quer dizer, aí está a complementaridade. Esses dois não são contrários. Nós sempre pensamos que o positivo é o contrário do negativo e que não há possibilidade de conciliação entre os dois. Estão eternamente em guerra e briga. Isto não é verdade. Nada na natureza é contrário e nada é idêntico. Tudo é complementar. Se compreenderem estas três palavras já estão com o fio de Ariadne para fora do labirinto. Nada é contrário na natureza. E nada é idêntico. Nem contrário, nem idêntico. Tudo é complementar.

Quer dizer, as duas antíteses, o preto (negativo) e o branco (positivo) são complementares. Não são contrários, mas também não são idênticos. E porque são complementares, por isso podem dar esta síntese aqui. Aqui já se realizou a complementaridade. Aqui já se uniram os dois. O preto e o branco já estão unidos, por sinal que não eram contrários – porque se fossem contrários não podiam se conciliar. Os contrários não são conciliáveis. São semelhantes, mas não iguais, nem contrários. Semelhante quer dizer complementar.

Quando nós usamos a palavra homeopatia nós dizemos, semelhante cura semelhante, está certo. Semelhante cura semelhante, mas não cura o contrário, e não cura o igual. Homeopatia não é: igual cura igual ou contrário cura contrário - isto não é homeopatia. Aqui é exatamente a idéia da homeopatia: do Yin e do Yang da China. O Yin e o Yang que são os dois pólos da antítese complementar. O Yin e Yang ou verso como quiser – e aqui se uniram os dois. Porque a natureza inteira é bipolarizada. Tem sempre dois pólos. Os dois pólos parecem ser contrários, mas não são realmente contrários porque são conciliáveis, mas, nunca se tornam idênticos. A síntese não é a identidade. A síntese é apenas um tratado de paz, uma complementaridade, que permite os dois pólos cooperarem um com outro.

Os gregos chamavam isto Apokatástasis – é conciliação. Aqui os dois pólos são conciliados. São unidos. Fizeram o casamento aqui. Aqui ainda estão separados. Homem e mulher separados. Aqui são casados. Podemos fazer essa comparação.

Bem, isto é a base de toda a filosofia chinesa desde 600 anos antes da era cristã. E muito antes - porque a filosofia oriental da Índia e do Japão é muito antiga. Já começaram 5000 anos antes da era cristã. No tempo dos Vedas na Índia já existiam grandes pensadores - no oriente. O ocidente ainda é muito novo em comparação com o oriente. Ao menos a humanidade do ocidente. Por isso a humanidade do ocidente trata principalmente das coisas horizontais e não das coisas verticais. Mas o oriente é muito mais verticalizado. Às vezes é tão vertical que se esquece de todas as horizontalidades.Trata só das coisas espirituais e não trata das coisas materiais, nem sequer mentais. Porque o espiritual é o vertical, o resto é horizontal. O horizontal pode ser material, pode ser mental que também é horizontal e pode ser até emocional. Toda filosofia horizontalista é superficial e a filosofia verticalista é sempre profunda. Às vezes tão profunda que só uns poucos escolhidos podem compreendê-la. Uns poucos têm tempo para aprofundar e abandonar muitas vezes as horizontalidades para se aprofundar na verticalidade. Então podemos representar tudo isto com as duas linhas que já conhecemos, a vertical e a horizontal. Aqui seria Lao-Tse:





Aqui seria Kong-fu-Tse:    ____________________




Mas, aqui já uma união entre os dois.





Os dois são complementares, mas não são idênticos, nem contrários. Então há sempre uma possibilidade de conciliação entre a filosofia de verticalidade e filosofia de horizontalidade. No princípio toda nossa vida é horizontal. Só no fim ela se torna mais vertical. Durante a infância... Dizem que a infância vai mais ou menos até 21 anos. Dizem que só com 21 anos o nosso corpo fica completo. 21 anos a construção do nosso corpo. Isto é horizontalidade. Depois vem a parte mental e emocional, a juventude, a adolescência. Isto dizem que vai até 40. Primeiro a infância de 1 até 21 e depois a adolescência de 21 até 40... Nesses dois períodos tudo é horizontal. Também o mental é horizontal. Porque a inteligência não pode fazer nada sem os sentidos. Os sentidos são horizontais, materiais. 
           
Diz a antiga filosofia grega: não há nada no intelecto que antes não tenha estado nos sentidos. Quer dizer, a nossa inteligência não funciona a não ser na base dos sentidos. Se os sentidos de alguém não funcionam, a inteligência não pode funcionar. Se alguém é cego, surdo e mudo, ainda pode aprender pelo tato. Tato é o último. Enquanto estamos vivos ainda temos... Então podemos ver e ouvir pelo tato. Existem pessoas que são cegas, surdas, e até mudas como Helen Keller – escreveu dois livros maravilhosos só pela ponta dos dedos. Ela leu em braile - rapidamente como nós. Mas se alguém não tivesse nem o tato não poderia aprender nada. Pode faltar a visão, o ouvido, mas o tato ainda sempre existe enquanto o homem está vivo. Então ainda pode aprender pelo sentido do tato. Pode enriquecer a inteligência através da ponta dos dedos que ficam tão sensíveis com o tempo.

Helen Keller quando esteve aqui fez conferência na faculdade de medicina – ela tinha uma secretária que a acompanhava sempre. Puseram muitas rosas lá na mesa – então ela foi ver as rosas, mas ela é completamente cega. Tirou as luvas, porque usava luvas muito especiais para proteger a pupila dos dedos (ela sente como se fossem as pupilas dos olhos que não se podem tocar). Então ela passou as mãos por cima das rosas e ficou admirando as rosas brancas, e vermelhas e amarelas e deu sinais que sua secretária interpreta – ela produz alguns sons, mas não fala. Então ela sabia tudo só pelo tato. Quer dizer, a inteligência funciona sobre a base dos sentidos. Se nenhum sentido funciona a inteligência não funciona, porque ela depende do mundo sensorial.
           
Não há nada no intelecto, diz a filosofia grega que antes não tenha estado nos sentidos. E assim, também as emoções podem ser chamadas horizontais porque dependem ainda dos sentidos. As emoções são ainda baseadas nos sentidos. São uma sublimação dos sentidos. O pensamento é uma sublimação dos sentidos. E as emoções também são sublimações dos sentidos. Então, tudo isto é da filosofia horizontal. O vertical não depende mais dos sentidos, não tem nada que ver com os sentidos, nem sequer com a mente. É uma invasão cósmica através da razão, que é a nossa faculdade mais elevada. Pela razão nós podemos capturar mensagens cósmicas, sem usar a inteligência, nem os sentidos.

Então podemos dizer que os grandes intuitivos são eminentemente racionais. Os analíticos são esses aqui. Os analíticos são os intelectuais. Análise é sempre da inteligência. A intuição é da razão. Naturalmente pode completar os dois.  Um pode ter tanto a inteligência analítica como também a razão intuitiva, mas muitos substituem a razão pela inteligência. Substituem a vertical pela horizontal porque a horizontal é mais acessível, é muito mais superficial. E o grosso da humanidade dificilmente chegará à verticalidade, à racionalidade. Mas geralmente está na horizontalidade.
           
Então falando de Lao-Tse... Na solidão isto se intensifica. A solidão é ausência da horizontalidade. Quando alguém se isola completamente da sociedade humana que é, sobretudo horizontal e se isola completamente no silêncio e na solidão durante muito tempo como fez Lao-Tse - durante 40 anos, não fazendo quase nada; o absolutamente necessário para viver... Pescava, então se intensifica grandemente a intuição.

Os grandes intuitivos são quase sempre homens solitários. Veja Moisés! Diz a Bíblia que Moisés fugiu do Egito quando tinha 40 anos. Tinha sido educado na corte do faraó por sua mãe, seja adotiva, verdadeira... (muitos pensam que seja mãe adotiva, segundo a Bíblia... outros dizem que era mãe verdadeira de Moisés, não se sabe) Foi educado 40 anos em toda sabedoria dos egípcios... Em toda ciência mágica dos egípcios. Aos 40 anos ele fugiu para as estepes da Arábia.

E ficou como pastor de seu futuro sogro Jetro. Ficou 40 anos na Arábia como pastor, segundo a Bíblia. Um pastor que vigia de noite o seu rebanho e dorme de dia, geralmente... Porque de dia não há muito perigo de feras, hienas, chacais e lobos. Mas eles são animais noturnos. Os pastores dormem de dia e vigiam os rebanhos de noite. Agora podemos imaginar Moisés. Sentado lá no meio do rebanho, vigiando..., Sentado numa pedra sob a luz das estrelas e do luar, numa solidão completa, num silêncio absoluto. Isto então favorece grandemente a abertura da intuição. E eles se tornam muito intuitivos porque ficam longe de todo o ruído e absorvem as vibrações da alma do Universo.

Lao-Tse fica 40 anos, justamente o mesmo tempo que Moisés. Não vigiando rebanhos, mas vivendo no meio do mato, pensando e propriamente não pensando. Sendo pensado. Primeiro na horizontal, nós pensamos. Na vertical, nós somos pensados. Na horizontal, nós agimos e na vertical nós somos agidos. Na horizontal nós vivemos e na vertical nós somos vividos. Podemos formar todos estes verbos na voz ativa e na voz passiva. Somos egopensantes – na horizontal, mas somos cosmopensados – na vertical. Somos egoviventes na horizontal, mas somos cosmovividos –na vertical. E somos ego-agentes na horizontal – mas podemos chegar a ser cosmovividos em vez de egoviventes, na vertical.

Assim funcionam as nossas faculdades que começam sempre pelo lado de fora, pelos sentidos, pela inteligência, pelas emoções e culminam finalmente na razão. A razão é a intuição. E interessante é que quase todos os grandes místicos, os grandes intuitivos se tornam só místicos pelo fim da vida.

Dizem os entendidos que até os 40 anos nós construímos o nosso ego. Seja o nosso ego físico, o nosso ego mental, o nosso ego emocional... leva mais ou menos 40 anos para a construção completa da nossa base ego. E depois, quando está tudo construído e nós não estamos mais interessados na construção do corpo, mas, apenas na manutenção... E também já superamos o mundo mental, intelectual e talvez o mundo emocional dos amores, que é mais da juventude. Então chegamos à maturidade, mais ou menos aos 40 anos. Depois, temos o caminho aberto para a intuição – para a racionalidade propriamente, porque a racionalidade é sempre o último de tudo. A racionalidade é a intuição. A racionalidade é a mística.

Então Lao-Tse tinha 40 anos quando começou o seu período intuitivo no mato. Durante 40 anos se isolou completamente nesta intuição. O que ele escreve no livro - depois eu vou dizer, alguns capítulos - não é analisável. Pode-se ler vagarosamente, auditivamente; e convém ler sempre para ouvir, não só com os olhos, mas ouvir também. Pode-se ler em voz audível e depois fechar o livro e ver se a inteligência é substituída pela razão. Se a análise intelectual do texto é completada pela intuição cósmica do espiritual. Isto é um exercício demorado porque nós estamos completamente dominados pelo ego sensorial, pelo ego mental e pelo ego emocional, mas isto, sobretudo na infância e na adolescência.

Na maturidade é mais fácil diminuir a tirania dos sentidos e até da mente e das emoções. E então a invasão cósmica da mente se torna poderosa. E assim se explica que esses homens que viveram na solidão (quase todos eles, seja Moisés no deserto, seja Buda lá no Egito, seja Jesus longamente até os 30 anos ele passa sem aparecer em público... Seja Lao-Tse, muitos e muitos outros) quase sempre chegam a uma profundidade muito grande. Muitas vezes eles ficam alheios a toda horizontalidade. Pouco a pouco a horizontal não interessa mais, apenas toca no horizontal o menos possível, como os místicos isolacionistas, como os iogues do Himalaia que gostam de se isolarem eternamente na vertical.

O mundo diz que isto é egoísmo. Que isto é escapismo. Não é verdade. Não é egoísmo nem escapismo. Egoísmo não é, porque eles já estão além do ego... Eles já passaram para além do seu ego. Logo não pode ser egoísmo. Porque a razão não está no ego. O ego funciona nos sentidos e na inteligência. Os sentidos e a inteligência são terrivelmente egoístas. Mas se ultrapassarmos o sentido e a inteligência não estamos mais na zona do ego. Estamos na zona da invasão cósmica da razão. Então o egoísmo propriamente não existe. Existe auto-realizaçao, mas isto não é egoísmo.

Também não é propriamente escapismo. Escapismo seria se alguém maldissesse a sociedade e não quisesse mais saber nada da sociedade – porque sofreu muitas injustiças da sociedade e então ele foge da solidão. Isto é escapismo. Isto é covardia. Mas, o escapismo para se auto-realizar, isso não é covardia. É o nosso destino. Então quando alguém se realiza na vertical... Alguns se isolam na vertical porque têm uma vocação especial para isto... Não saem mais da solidão. Ficam na eterna verticalidade da razão do seu Eu, da invasão cósmica. Outros voltam para a horizontal, mas sem abandonar a vertical. Esses nós chamamos, os da consciência cósmica.

Quem está somente na horizontal está na consciência do ego. Quem está somente na vertical está na consciência do Eu místico. E quem une a vertical do Eu com a horizontal do ego e pode fazer uma síntese entre estas duas coisas que parecem inconciliáveis, então ele está na consciência cósmica. Entra na cosmoconsciência. São sempre estes três estágios. Ou egoconsciência – só egoconsciência, sem nada mais; ou consciência mística exclusiva, sem contato com a horizontalidade da sociedade, da humanidade, ou então - consciência mística que está em contato com a horizontalidade – isso então, nós chamamos consciência cósmica.


Sempre os três: consciência do ego, consciência mística, consciência cósmica. Podemos dizer também: o primeiro é profano, puramente horizontal - é profano (materialista ou mentalista). O segundo é místico, puramente espiritualista e místico. E depois... Se ele consegue fazer a grande síntese entre a vertical e a horizontal, então ele chega à plenitude da sua natureza humana. A plenitude da natureza humana não é material, também não mental, também não é espiritual – mas ela é tudo isto ao mesmo tempo. É uma conciliação sintética, uma conciliação do homem integral. Isto é a base de tudo que vamos ver mais tarde no Lao-Tse, um eterno jogo entre intuição e inteligência. Quando nós queremos inteligir o intuitivo, então é sempre um paradoxo. Nós não podemos inteligir, entender a intuição racional, a razão não é para ser inteligida, ela é para ser intuída.

Então, isso nós veremos através de todos os aforismos de Lao-Tse - como ele andou abismado na vertical, mas ele quis dar aos outros algum fruto da sua meditação profunda. Então ele usou aqueles papéis que ele levava consigo e pôs os seus ideogramas – porque os chineses não usam letras, usam para o comércio hoje em dia, passaram para letras latinas; mas antigamente a China e o Japão só usavam ideogramas que são símbolos de pensamentos, não são letras. Nós temos 25 letras com que exprimimos qualquer pensamento. Mas os povos orientais não usavam letras, usavam símbolos dos pensamentos. Símbolos sem letras. Chamam ideogramas.

Então ele quis pôr em ideogramas, que já é uma análise, as suas intuições colhidas lá no fundo da floresta onde ele tinha vivido 40 anos. Aí começa a dificuldade: dizer, analiticamente o que se sabe intuitivamente. Isto é muito difícil. O melhor é o silêncio. Mas, com o silêncio nós não podemos comunicar aos outros. O silêncio seria verdade pura. Intuição sem pensamento, nem palavra. Isso seria excelente. Dizem alguns que nós podemos transmitir intuição só por vibrações espirituais. Bem isso pode ser possível um ou outro, mas o grosso da humanidade, a maior parte não sabe fazer isto. 


Então Lao-Tse tentou concretizar em forma de ideogramas, um pouco da sua experiência solitária, a mística de 40 anos no fundo da floresta em completa solidão. E por isso quando começarmos a analisar alguns aforismos, alguns capítulos de Lao-Tse, nós temos sempre a dificuldade. Intelectualmente isto está errado. Intuitivamente está certo. Mas como nós temos que lidar sempre com intelectualidade e não estamos na intuição, temos que adivinhar do que propriamente compreender. Temos que adivinhar mais o conteúdo do que ele diz do que propriamente analisar uma por uma, as palavras que ele diz. 


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TRANSCRIÇÃO DA AULA 17 - Lao-Tsé. O intuitivo


Curso 78
Aula 17 – data 19/09/78
Lao-Tse. O intuitivo.
Huberto Rohden

Um grande filósofo armênio-russo, Bazarian escreveu um livro sobre intuição e análise. Diz logo no princípio: a intuição é a morte de toda lógica. Mas, se a intuição é a morte de toda lógica e a lógica é análise, como é que vamos tratar de análises que são coisas lógicas em face da intuição. O que Lao-Tse escreveu nos 40 anos de solidão completa, lá nos matos da China – os últimos 40 anos ele passou em completa solidão. Os primeiros 40 anos foi bibliotecário e historiador na corte imperial da China, mas nos últimos 40 anos ele viveu sozinho consigo e com Deus. E nesse tempo se tornou terrivelmente intuitivo - cosmopensado e não egopensado. Eu inventei estas palavras para esclarecer.
Eu chamo a intuição, cosmopensado, cosmovivido, cosmo-agido. E eu chamo análise egopensante, egovivente e ego-agente. Podemos usar essas palavras para esclarecer. Mas, nos últimos 40 anos Lao-Tse foi completamente cosmo-agido, cosmo-vivido e cosmopensado. E o que ele escreveu nesses últimos 40 anos de solidão, que é o nosso livro Tao, não admite nenhuma análise. Seria o mesmo eu que querer fazer aqui no quadro um círculo quadrado. Não posso fazer um círculo quadrado. Se for quadrado não é círculo. Nem Deus pode fazer um círculo quadrado porque não sobra nada. O círculo nega o quadrado e o quadrado nega o círculo. Não sobra nada para analisar.
De maneira que é uma dificuldade para analisar essas coisas. Nem sequer na matemática de Einstein se pode analisar. Ele nunca analisou a teoria da relatividade. Nunca na sua vida. Aos 26 anos escreveu essa fórmula misteriosa (E=mc2) e nunca em toda sua vida de setenta e tantos anos, nunca explicou porque não se pode analisar uma coisa intuitiva. E nos livros dele ele diz coisas, por exemplo: o universo é finito, mas é ilimitado. Para nós isso é uma contradição. Não, isso é verdade. O universo é finito, mas apesar disso é ilimitado. Que coisa estranha!
Depois ele diz: a certeza não vem das provas. As provas não dão certeza de coisa alguma. Ora, nós estamos tão habituados a provar, provar... Demonstrar e depois dizemos, agora é certo. Ele diz, não, nenhuma prova, nenhuma demonstração dá certeza. A certeza é anterior a qualquer prova. Para ele a certeza é da intuição. E as provas são apenas análises. A análise nunca dá certeza, ele diz. Dá probabilidade, mas certeza, não.
Outra coisa que ele diz: tempo e espaço não são os mesmos em qualquer ponto do universo. Muda com o lugar - tempo e espaço. O que aqui é uma hora, em outras regiões do universo não é uma hora.
Outra coisa que Einstein diz: qualquer objeto submetido a uma alta velocidade diminui de volume. Imaginem! Aqui temos, por exemplo, um objeto, isto é mais ou menos 80 cm de tábua. Se eu submetesse isso a uma alta velocidade, não seria nem a metade disto. E se eu submetesse a uma velocidade ainda maior, segundo Einstein, não daria e no fim daria só um cm e daria 1mm e no fim zero. Porque o tamanho de um objeto depende da velocidade. Se a velocidade é pouca o objeto é grande, mas se a velocidade é grande o objeto é muito pequeno. Quer dizer, não existe nenhuma medida estável, é tudo relativo... relativo... relativo...
Bem, isto é verdade, mas é misterioso para quem tem que analisar as coisas. Assim está cheio de afirmações que perante a análise parece ser coisas absurdas. E perante a intuição de que falam os gênios é certo; o talento analisa e o gênio intui. O gênio é intuitivo e o talento é apenas analítico. Mas, quem é que está no estado do gênio agora? Todos estamos apenas no talento, na análise talentosa, mais ou menos, e do talento para o gênio não há nenhum caminho. Do mundo dos fatos, diz Einstein, para o mundo dos valores, não conduz nenhum caminho porque os valores vêm de outra região.
Tudo isto nos parece tão estranho e tão misterioso. Isto é na matemática. Na alta matemática. Não na aritmética que é tudo analítico, mas na matemática. Vocês não devem confundir a matemática com aritmética. Todo o mundo confunde. Mas a matemática é puramente intuitiva. E a aritmética é analítica. E mesmo esta discrepância entre análise e intuição ocorre não só na matemática, de Einstein, na metafísica de Lao-Tse, mas também na mística do Evangelho. Se vocês lêem coisas do Evangelho e vocês querem analisar o que o maior dos Mestres disse há 2000 anos, estamos diante de absurdos.
Por exemplo, ele diz, é preciso morrer para viver. Ora, nós dizemos é preciso viver para viver. Não ele diz, quem não morre não pode viver. E seu grande apóstolo, Paulo repete: eu morro todos os dias e é por isso é que eu vivo. Para nós são coisas tão paradoxais. É preciso perder tudo para possuir. Outra afirmação do carpinteiro de Nazaré, que era um grande gênio. Ele dizia sempre coisas assim e seus discípulos ouviam, mas não podem. Nós, há 2000 anos estamos analisando o Evangelho e há 2000 anos estamos dizendo bobagens, porque não se pode analisar uma coisa que não foi dita pela inteligência, nem para a inteligência. Analisar se pode o que veio da inteligência e se dirige à inteligência. Mas intuir é outra coisa que analisar.
Então eu fiz aqui duas colunas de palavras para mostrar esta coisa misteriosa que uma intuição não é analisável. Eu pus aqui na nossa esquerda:
Exotérico e esotérico (em grego exotérico com x quer dizer, fora e esotérico com s quer dizer dentro). Em grego é eisoterico, mas nós omitimos o i.
            Esses (exotérico) estão do lado de fora, e esses (esotéricos) estão do lado de dentro.




Ego é alguma coisa fora de nós, Eu - é alguma coisa central.
Profanos são os que estão de fora. São os exotéricos.
Iniciados são os esotéricos – os de dentro.
Intelectual é do lado de fora exotérico.
E espiritual é esotérico, iniciado – de dentro.
Analítico é da inteligência.
Intuitivo é da razão (não me confundam inteligência com razão - por favor). Porque confundimos razão com inteligência temos que evitar a confusão e vamos substituir razão por espírito. Espírito não é palavra filosófica. Mas eu escrevi aqui, espiritual em vez de racional. Bem, aqui pus um menos e aqui um mais. Podíamos continuar assim.
Quer dizer, aqui estão duas colunas – o exotérico profano, o analítico, o intelectual, o ego e aqui a outra coluna completamente de dentro.
Isto (coluna 2) podemos intuir. Isto, (coluna 01) podemos analisar, mas quem analisa não compreende nada disto.
            Um grande escritor do 2o século do cristianismo, Tertuliano disse: eu aceito o mundo espiritual porque é absurdo. Ele aceita tudo isto porque é absurdo, ele diz. É absurdo visto desta perspectiva daqui (exotérico). Quem está no exotérico, no profano, no ego, no intelectual, no analítico, e olha para cá (esotérico) diz: isto não tem sentido nenhum. Como é que se pode dizer que é preciso perder tudo para possuir tudo. Como é que se pode dizer, é preciso morrer para viver. Os intuitivos falam assim. E como se pode dizer que o mundo é finito, porém é ilimitado apesar disto, como diz Einstein na matemática?
Quer dizer, a nossa dificuldade é sempre esta: como é que vamos conciliar a análise que nós devíamos fazer com a intuição de que está cheio o Tao. Porque Tao te King – digo Lao-Tse não excogitou aquilo que ele escreveu e não comprimiu os miolos e disse, agora vou escrever uma coisa profundamente filosófica para a posteridade. Não, ele não pensou aquilo, ele foi pensado. Aqui nós somos pensados, aqui nós pensamos. Aqui nós somos cosmo-agidos, aqui nós somos ego-agentes.  Aqui nós somos cosmovividos, aqui nós somos egoviventes. Há sempre essas duas perspectivas. E como quase toda a humanidade está aqui, porque a nossa evolução não chegou até aqui, isto é um grau avançadíssimo de evolução humana, a intuição. Mas o grosso da humanidade, pelo menos 99,9% está apenas na intelectualidade, mas não está na racionalidade.
Dizer que o homem é um animal racional é muito otimismo. Podemos dizer que o homem é um animal intelectualizado, isto está certo, mais ou menos. Mas, que nós sejamos animais racionais como disse Aristóteles, isto é muito otimismo. Nós não chegaremos, daqui a milhares de anos até a racionalidade. Até o logos como diziam os gregos. Estamos no noos.  Os gregos chamavam a inteligência noos, e chamavam a razão, logos. Nós estamos quando muito na intelectualidade.
Teilhard de Chardin, este grande cientista do nosso século, que viveu 20 anos lá na China, escavando esqueletos e estudando pedras. 20 anos ele esteve lá do outro lado de Pequim, como cientista, depois voltou para a Europa e escreveu os seus livros, O fenômeno humano, O meio divino e outras coisas...
Em um desses livros Teilhard de Chardin diz: o homem veio da hilosfera, passou pela biosfera,  está agora na noosfera e vai a demanda da logosfera. Quatro esferas ele enumera - zonas de evolução. Viemos do mundo da hilo, que é matéria em grego. Hilosfera é esfera da matéria. Depois entramos no bios - vida. Biosfera, nós entramos da matéria para a vida. E já superamos a biosfera. Superamos a hilosfera e a biosfera – incorporamos, nós também, em nós tudo está cheio de matéria, também está cheio de vida. Mas, um estágio superior é a logosfera, segundo Teilhard de Chardin. Na zona da intelectualidade, que seria aqui. Aqui estamos no 3o estágio evolutivo.
Hilosfera – matéria
Biosfera – Vida
Noosfera – inteligência
Estamos tentando subir até a logosfera. Logos é razão - é o que nós chamamos espírito. De vez em quando aparece no mundo um homem que está na logosfera. Poucos. O mais célebre para nós no ocidente parece que é aquele carpinteiro de Nazaré – que viveu 30 anos na carpintaria, não fez estudos, não freqüentou coisa nenhuma, não fez faculdade, não escreveu livro, nem nada. Mas, aos 30 anos, apareceu como um grande profeta. E aos 30 anos apareceu aqui (logos). E nós pensamos que devia ter passado por aqui, primeiro. Eu não sei se ele passou, publicamente não, mas, lá na carpintaria de Nazaré, eu creio que ele se deixou invadir pela alma do cosmos, pela alma do Universo. Isto Spinoza chama a alma do universo. Deus, a alma do universo.
Então, quem se deixa invadir por isto, não precisa ficar muito tempo nisto, porque isto aqui - somos nós que fazemos. É assim. Nós tentamos fazer isto, mas isto de cima para baixo. Isto é um esforço intelectual que nós fazemos. Um esforço de pensamento. Alguns chegam longe nesse esforço. Os grandes cientistas que passam dia e noite estudando e analisando... e esse aqui, não tem nada que ver. Ele não tem que ver nada de esforço. Ele simplesmente precisa abrir-se. É uma abertura, uma receptividade que ele produz dentro de si. Uma vacuidade, por assim dizer. Ele se esvazia disto para ser enchido e plenificado por isto.
É o que nós chamamos o pensamento - é um esforço da inteligência. Mas a intuição não é propriamente um esforço, é uma atitude. É uma disponibilidade em face da alma do universo; quem se põe em disponibilidade se esvazia de si mesmo e onde há uma vacuidade, acontece uma plenitude. Se alguém se esvazia disto vai ser plenificado por isto. É sempre assim. Então ele entra na intuição. O homem comum tem que passar, atravessar tudo isto, e depois ficar na expectativa da intuição, da revelação, e da inspiração. Tudo isso é a mesma coisa.
Einstein diz: eu penso 99 vezes e não descubro a verdade, eu deixo de pensar (anulou tudo isto), mergulho num grande silêncio e eis que a verdade me é revelada. Então entra na intuição. Quando a verdade nos é revelada, nos é inspirada e nós nos tornamos intuitivos, então passamos do egopensante para o cosmopensado; do egovivente para o cosmovivido e do ego-agente para o cosmo-agido. É um estágio muito alto de evolução e muitos já são intuitivos, como Cristo, por exemplo.
 Eu creio que ele já era intuitivo desde pequeno. Não era só aos 30 anos. Aos 12 anos estava em Jerusalém, ficou três dias no templo, sem que seus pais soubessem do seu paradeiro, foram à procura dele, e no 3o dia o encontraram e se queixaram dele não ter avisado nada. Ele disse: Ah! Não sabíeis que eu devo estar nas coisas que são de meu pai? Não de José, mas disse meu Pai Celeste. Ele se refere a isto: eu estava no mundo espiritual, eu não estava no mundo material, nem intelectual, eu estava no mundo espiritual. Vós não sabíeis que eu devo estar naquelas coisas que são de meu Pai Celeste. Isto uma criança de 12 anos disse. Isso já é uma intuição muito grande.
E os doutores da lei, o chefe da sinagoga - diz o texto -, durante três dias andaram discutindo com ele. E o menino de 12 anos dava tais respostas às perguntas dos doutores da lei, dos chefes da sinagoga, encanecidos dos seus estudos bíblicos, ficavam espantados, estupefatos. Os doutores da lei ficaram estupefatos diante de uma criança de 12 anos. Porque a criança tinha muito mais sabedoria do que todos eles. Não tinha estudado porque estudar não dá sabedoria. Isto dá intelectualidade. Isto dá ciência, mas não dá sabedoria. Sabedoria é coisa muito diferente. Sabedoria é uma coisa que vem da alma do universo para dentro de nós, quando nós somos capazes de receber a inspiração, a revelação ou como diz Einstein, a revelação.
Eu já citei aquele outro exemplo de Tomás Edson, o grande inventor americano que diz quase a mesma coisa que Einstein. Ele disse: “Eu necessito de 90% de (perspiration) transpiração, (transpiração é esforço pessoal, esforço intelectual consciente) – eu necessito de 90% de esforço pessoal – para receber 10% de inspiração”.  Ele usa perspiration e inspiration, em inglês.
Quer dizer que todos os grandes gênios falam em intuição, falam em inspiração, falam em revelação. Porque ele já tinha ultrapassado esta zona da inteligência que é quase sempre o princípio – porque quase ninguém é desde o princípio intuitivo. Geralmente os grandes gênios passaram por toda esta fase de intelectualidade, esforço consciente e pessoal. Depois ultrapassaram tudo. Ultrapassaram, não pararam aqui no alto do intelectual. Mas, Einstein diz: eu faço um grande silêncio e durante o grande silêncio do ego eu sou inspirado pela voz do Eu. O ego fica silencioso por algum tempo e depois vem a inspiração que vem do Eu.
O nosso Eu é cósmico. O nosso Eu é o reflexo da alma do universo dentro de nós – que nós chamamos consciência, que nós chamamos a alma, que nós chamamos o Eu central, que os hindus chamavam Atman. Quer dizer, no Atman, na alma, no Eu nós somos um reflexo da alma do universo. Mas, enquanto nós estamos ouvindo os ruídos do ego... o ego é muito barulhento... é barulhento em todos os sentidos. Às vezes faz barulho físico, às vezes não faz barulho físico, mas continua a fazer barulho mental. Pensar também é barulho mental. Quem pensa, pensa, pensa... não está em silêncio.
E mesmo que ele deixe de pensar - se ele continua a desejar alguma coisa, ter emoções, nós chamamos isto, então também não está no silêncio. No silêncio ele estaria se não tivesse barulho físico, nem barulho mental, nem barulho emocional, então nós estaríamos no grande silêncio total. E então nós poderíamos receber a mensagem cósmica do Eu, mas é muito difícil a gente criar o grande silêncio dentro de si.
Nós, quando fazemos retiros de três dias da semana santa (e agora em setembro, outro em novembro) faz silêncio por fora de nós... no mato, lá perto de Jundiaí. Fazemos silêncio físico, já estão habituados a fazer silêncio físico. . . silêncio de três dias, mas quem é que faz silêncio mental? Isto ninguém pode controlar. Podemos controlar o silêncio físico e exigimos que haja silêncio físico, que ninguém fale, que na meditação não faça barulho, mas ninguém pode controlar o silêncio mental.
Pode ser que esteja fisicamente silencioso e cheio de pensamentos e planos que ele vai fazer agora, como é que ele vai trabalhar amanhã, que ele vai fazer. E se não está cheio de pensamentos, está cheio de desejos, emoções, cheio de amores, cheio de ódios, cheio de esperanças ou de desesperos. Isso são emoções, são barulhos emocionais. Quer dizer, é difícil a gente entrar num verdadeiro silêncio físico, silêncio mental e silêncio emocional. E são pré-requisitos necessários para que a inspiração possa funcionar. A inspiração só funciona num absoluto silêncio. Onde não há silêncio físico, mental e emocional não há inspiração, não há revelação, não há intuição.
O nosso problema não é receber inspiração. O nosso problema é criar a vacuidade para receber esta plenitude. A plenitude vem por si mesmo. Nós não podemos chamar a intuição. Ela não atende ao nosso pedido. O que nós podemos fazer é unicamente esvaziar-nos de tal modo que sejamos plenificados automaticamente, cosmicamente pela grande plenitude cósmica. O nosso problema é o ego-esvaziamento, não é a cosmoplenificação. Esta nos acontece infalivelmente quando nós estabelecemos o vácuo. Onde há uma vacuidade acontece uma plenitude. Isto é absolutamente certo. Onde há uma vacuidade acontece uma plenitude.
Lao-Tse deve ter estado aqui 40 anos numa formidável plenificação cósmica. Por isso quando ele começa a falar que Tao, o insondável que pode ser sondado não é Tao, e Tao, o incognoscível que pode ser conhecido não é Tao. E Tao, o invisível que pode ser visto, que pode ser pensado, que pode ser desejado, não é Tao. Ele nega que tudo que nós possamos fazer aqui, não é Tao, não é a divindade. Só o que nós podemos receber aqui porque aqui nós recebemos. Aqui nós fabricamos. Tudo isto é fabricação nossa. Isto não é fabricação nossa. Isto é recebimento nosso. Nós podemos receber quando nos tornamos receptivos. Mas, tornar-se receptivo é fazer um silêncio total do seu ego sempre barulhento.
Os cientistas, geralmente não são fisicamente barulhentos porque eles gostam do silêncio no seu gabinete, ficam horas e dias inteiros sem ser incomodados por ninguém. Então ele está fora do barulho físico, mas não está fora do barulho mental porque pensar, analisar, pesquisar também é ruído mental. Agora, quando ele ultrapassa também o ruído mental, e até o ruído emocional que é querer, desejar alguma coisa, então é que ele entra no grande silêncio total. Silêncio físico, mental e emocional. E esse é o momento em que os grandes intuitivos recebem as suas revelações, as suas inspirações, bem, a sua invasão cósmica. Isto é uma invasão que nós recebemos da alma do universo para dentro da nossa alma. Porque isto também faz parte do cosmos. O nosso Eu central, não os nossos egos periféricos. É o cosmos dentro de nós. Nós somos cósmicos no centro. Aqui nós não somos cósmicos, isto é periferia, tudo isto é periferia. Apenas isto é o centro.
E aí vem a grande dificuldade de analisar o inanalisável. E de dizer o indizível e de pensar o impensável. Nada disto é dizível, nada disto é pensável. Nada disto é analisável. Isto  pode ser recebido no silêncio do nosso Eu, mas não pode ser fabricado pelo barulho do nosso ego. Isto aqui é fabricação muito barulhenta. Isto é silêncio total. Então, esta é a dificuldade de todos os grandes gênios, e os gênios não são somente nas ciências e na matemática. Os gênios também são na religião. O místico é um gênio, é claro. Porque o que nós chamamos mística na religião e chamamos genialidade na ciência ou na arte, sobretudo - os artistas muitas vezes são geniais. Um verdadeiro poeta, um verdadeiro músico, um verdadeiro artista, um escultor ou pintor, ele tem que receber mensagens cósmicas do além.
Se ele só fabrica os seus pensamentos próprios, então ele não é gênio, porque o nosso ego pode fabricar muitas coisas, mas não saem do talento. Isto aqui é talento (coluna 01). Isto aqui é gênio (02). O talento é uma coisa humana. Podemos intensificar altamente o nosso talento pelo estudo, pela leitura. Nos tornamos cada vez mais eruditos; a erudição é talento. Mas não é genialidade. O gênio - seja gênio na ciência, na matemática, seja na religião, que nós chamamos místico, nós necessitamos muito mais do que uma fabricação pessoal. Aqui é uma fabricação nossa. Aqui nós estamos do lado de fora.
A palavra - profano - que é o contrário de iniciado é uma palavra muito exata. Fanun é uma palavra latina para santuário.  Os poetas usam a palavra fanun – o neutro - e profano quer dizer fora do santuário. Diante do santuário é profano – pelo lado de fora. Iniciado é in ire, aquele que foi para dentro do santuário, que cruzou a soleira da porta; que conduz para dentro do santuário. As duas palavras são muito exatas. Este é um profano, ele só conhece a realidade, a verdade pelo lado de fora. Ele ouviu dizer. Ele pode crer na realidade, mas não sabe nada da realidade. Ele pode ser um bom crente, mas não é um sapiente, não tem experiência. Aqui nós podemos ser crentes ou descrentes. Aqui nós não somos nem crentes nem descrentes. Aqui nós somos sapientes. O iniciado é um sapiente. Ele sabe por experiência própria, direta, o que é o mundo espiritual.
Ele sabe o que é Deus. Ele sabe o que é ele mesmo. Ele sabe, ele não crê em Deus. Ele não crê em si. Ele sabe, eu e o Pai somos um. O Pai está em mim, e eu estou no Pai. Isso é sabedoria. Isso é sapiência em latim.Dizemos sabedoria em português, mas, também podemos dizer sapiência! Quer dizer, aquilo que nós sabemos por experiência direta e imediata e não por ouvir dizer, e não por ter lido, isso não é crença. Crença é um ato de boa vontade. Um crente aceita uma verdade porque fulano disse. O professor disse, o guru disse, o padre disse ou o ministro da religião disse que é assim, assim, então eu aceito, é assim mesmo. Ele encampa convicções alheias. Não tem nenhuma convicção própria. Isto é crença.
Agora quem está além da crença, quem está na experiência, ou na sapiência está completamente além da crença. Tudo isto pode ser crença ou descrença. Aqui há muitos crentes e muitos descrentes, mas não é nenhum sapiente. Quem não sabe por experiência própria não tem experiência, não é sapiente, não é iniciado, é um profano. Aqui então começa a grande diferença entre a crença ou a descrença e a sapiência ou a experiência direta, própria.
Como Lao-Tse estava nos últimos anos, então nós que ainda estamos aqui, analisando o que ele intuiu, deparamos sempre com a dificuldade: como é que ele pode dizer tais coisas, porque visto desta perspectiva daqui, isto aqui é incompreensível, é enigmático. Mesmo na matemática, e mesmo na metafísica é misterioso. E dizemos, então não pode ser, a certeza não vem das provas.
Quando Einstein ia publicar o seu livro sobre o campo unificado que foi o último livro que ele escreveu, os repórteres de Nova York foram entrevistá-lo para saber o que é que ele ia dizer neste livro. E o repórter perguntou a Einstein:- o Sr. Tem certeza daquilo que o senhor escreve no seu livro?
-Tenho absoluta certeza, disse Einstein.
O repórter perguntou: _ O Sr pode provar isto?
-Não eu não posso provar.
O repórter ficou desapontado. - Mas, professor, o Sr tem certeza que isto é verdade?
-Tenho absoluta certeza.
-Mas, o sr disse que não pode provar.
-É provar, não posso.
-Então donde vem a certeza, a certeza vem das provas? Perguntou o repórter.
-Não disse Einstein, a certeza não vem das provas. A certeza é anterior a qualquer prova.
           A certeza é aqui, as provas são aqui. Na ciência nós dizemos, o que não é provado não é certo, mas a ciência não sai daqui, a ciência é puramente intelectual, mas ela não é intuitiva.  Então perguntou o repórter:
-Como é que se escreve um livro quando já tem certeza antes de escrever o livro?
- Bem, disse Einstein, o livro, as provas que eu dou no livro são para justificar a certeza para aqueles que não têm certeza. É para justificar a certeza para aqueles que não têm intuição. Para estes a gente tem que provar que isto está certo, mas não pode afirmar que isto está certo. Se ele não quer aceitar que isto está certo não podemos falar nada, não aceita e pronto. Ele não pode compreender isto. Ele pode apenas crer isto. Pode ouvir, pode até entender, mas não pode compreender.
Compreender é outra coisa do que entender. Entender é uma atividade intelectual, analítica. Entender é conhecer, analisar, pesquisar, tudo isto é intelectual. Mas, compreender é isto aqui. Compreender é racional e entender é simplesmente intelectual. Mas como nós nunca fazemos distinção exata entre compreender e entender - confundimos tudo, como toda nossa língua é uma eterna confusão. Intelectual, entre ser e existir, é tudo confuso. Mas quando entramos numa zona de precisão filosófica, temos que fazer essas distinções.
E o que é que nós vamos fazer agora com Lao-Tse, se não podemos analisar, isto não é analisável, o que ele escreveu. Analisável é outra coisa, está nos livros de ciência de química, de física. Lá as coisas são analisáveis. Eles não saem daqui. A única coisa que podemos fazer aqui é o que eu chamo - colocar setas ao longo do caminho. Colocar setas a beira do caminho. Quer dizer, setas são sinais que indicam a direção em que a gente deve ir. A gente vê uma seta em toda parte nas esquinas. Se aqui tem uma mão só, a seta aponta para aquele lado. Quando tem duas mãos não tem nada. Se a seta aponta para aquele lado, quer dizer, aqui não há duas mãos.
Então a seta indica a direção que alguém deve andar, mas a seta não anda. Ela fica parada. E se alguém não compreendesse a mensagem da seta e se na seta estivesse escrito um nome, por exemplo, Campinas. Se tivesse uma encruzilhada lá na Anhangüera dizendo Campinas, e um ignorante diria: ah! Agora, Campinas é aqui, vamos ficar aqui. Não, a seta não quer dizer que aqui é Campinas. A seta quer dizer, na direção da ponta desta flexa, a 90 km, não aqui. Isto a seta quer dizer. Ela tem uma mensagem silenciosa. Primeiro ela quer dizer: olha para mim, olha bem que direção está apontando a minha flexa. É na direção noroeste daqui. Campinas é noroeste. Então, o viandante deve saber - sentido noroeste, mas não aqui, longe daqui.
Então o viandante deve compreender – 1o deve olhar para a seta. Deve contemplar atentamente a seta. A seta mostra na direção noroeste. E depois o que ele deve fazer? Depois ele deve ir embora. Se ele se prende à seta e fica aqui, então não entendeu a mensagem da seta, porque a seta não quer dizer que é aqui, a cidade que está marcada na seta. Ou se alguém arrancasse a seta para estar em Campinas, também não adianta nada. Não se põe a seta no bolso, então ela perde a direção.
Quer dizer, tudo isto é apenas - eu posso pôr setas à beira do caminho explicando Lao-Tse, mas eu não posso definir o que ele quer dizer. Eu posso dizer: vá nesta direção tal e tal, norte ou sul, leste ou oeste, ou intermediários... Vá nesta direção, eu posso dizer ao leitor ou ao ouvinte. Mas eu não posso andar em lugar dele. Ele depois tem que abandonar a seta e ir à direção indicada. Eu tenho que abandonar a seta para cumprir a mensagem da seta. Porque a mensagem da seta não é parar diante da seta. A mensagem da seta é contemplar atentamente qual é a direção em que ela está apontando, depois dizer, adeus, muito obrigado pela indicação, depois ir adiante. Só isto nós podemos fazer em todo livro intuitivo. Não é só em Lao-Tse, sobretudo no Evangelho.
Pensar que nós possamos fazer ciência analítica do Evangelho é completamente absurdo. Nós podemos fazer ciência de outras coisas, mas de uma coisa intuitiva nós não podemos fazer ciência. Quando uma coisa é ultra-intelectual, e tudo isto é ultra-intelectual, é transmental, é trans - para além... Então nós só podemos pôr sinais à beira do caminho e deixar cada um fazer o que quiser.
E também espécie de parábolas. Nas parábolas sempre a conclusão é misteriosa. O símbolo material indica sempre um simbolizado espiritual. Nas parábolas de Jesus o símbolo material indica um simbolizado espiritual. O mestre só diz o símbolo material. E o discípulo tenta descobrir o simbolizado espiritual. Por exemplo, na parábola do semeador. O semeador que foi semeando semente, primeiro à beira da estrada, depois no meio das pedras, depois no meio dos espinhos. Nada produziu nada, nada. No asfalto não se pode semear. Nas estradas não se pode plantar. No meio das pedras onde não há húmus, não se pode plantar. No meio dos espinhos, vão sufocar tudo.
 Ele diz, o semeador saiu para semear as sementes. Primeiro à beira da estrada. Depois no meio das pedras, depois dos espinhos, e finalmente também em terra boa. Isto ele diz, mas isto é apenas uma seta na encruzilhada. Agora o que ele quer dizer, nós temos que descobrir. 1o- na agronomia material, esta parábola seria um absurdo. Mandar alguém semear milho ou feijão ou arroz, à beira da estrada. Não dá nada. Uma agronomia completamente errada. Nenhum agrônomo vai aconselhar isto. Também não vai aconselhar que lança as sementes no meio das pedras – onde não há terra. Ou no meio dos espinhos que sufocam tudo.
Não, isto é o símbolo material colocado pelo Mestre. Ele não fala de agronomia material. Ele fala duma agronomia espiritual. Ele fala de um campo que somos nós. Não fala de um campo físico, que é a terra, estrada, espinho. Ele fala de nós. A alma humana é um campo. Alguns campos lá dentro do homem são como beira da estrada. Outros são como pedras, outros são como espinhos e também há terra boa onde a coisa nasce e cresce.
Quer dizer, o simbolizado espiritual tem que ser adivinhado pelo discípulo ou pelo ouvinte. O símbolo material é posto pelo mestre e o simbolizado espiritual tem que ser intuído. Aqui não se pode provar, aqui, outra vez tem que intuir. No símbolo material a gente pode provar tudo. Agora no sentido espiritual do simbolizado espiritual a gente tem que mais ou menos adivinhar, como nós dizemos. Mas, intuir é mais do que adivinhar, intuir dá certeza absoluta. Adivinhar muitas vezes não dá certeza, mas se alguém tivesse intuição podia dizer, isto é absolutamente certo, o que o Mestre disse é absolutamente certo. Porque há tais terrenos na humanidade que não produzem nada. Há tais terrenos que não produzem nada e os outros produzem. Por que? Porque aqui há uma grande diferença. Aqui funciona o livre arbítrio. Na terra não funciona, na pedra não funciona, nos espinhos do livre arbítrio não funciona, mas em nós funciona.
Então quando a semente da verdade é semeada no terreno humano, aí nós nos podemos fazer terra boa e nós nos podemos fazer terra ruim. Nós podemos fazer-nos como beira da estrada... Asfalto. Podemos fazê-las como pedras e como espinho. Também podemos fazer como terra fértil. Tudo isto o Mestre quer dizer: depende do livre arbítrio de cada um no qual a semente da verdade é semeada. Se ela nasce, cresce e frutifica, isto não depende mais da semente.
A semente é toda boa, pois a semente é a palavra de Deus. Então a semente era toda boa, mas o terreno não era igual. Tinha terreno que brotou. No outro, nem brotou. Brotou um pouco e morreu logo. E depois brotou, cresceu, floresceu e não frutificou. Porque isto depende não da semente, mas do terreno humano que nós oferecemos à semente.
Isto, de maneira que o símbolo material está sempre aqui e o simbolizado espiritual está na intuição. Nada se resolve sem intuição. Sim, nas coisas cientificas de cada dia não  precisamos de intuição. Na física e na química, não se precisa propriamente de intuição. Mas na zona superior do conhecimento, mesmo na matemática - que já é uma zona muito avançada - são as zonas mais elevadas: metafísica, matemática e mística. Os três emes, que representam uma zona de evolução muito avançada.
A gente pode começar com isto (análise) e muitos não saem disto. Começam e terminam com isto. Mas a gente também pode começar com isto e quando chega ao fim disto, transmentalizar-se (chama-se transmentalizar no Evangelho). E além da sua mente (ego) e desegoficar-se, ir além do seu ego. E passar para cá (intuição). E aqui verá que não depende propriamente de nós. O que vai acontecer depende de um fator misterioso que uns chamam a graça de Deus, outros chamam intuição. Na teologia se chama isso a graça – a intuição. Outros chamam a minha boa estrela... Ou o favor dos deuses - diziam no império romano. Esta coisa misteriosa que eles chamam a minha boa estrela, ou o meu guia invisível, ou a sorte - bem são palavras para dizer que acontece alguma coisa que eu não fabriquei, mas que eu estou recebendo. Quem não se torna receptível não vai receber. Quem se torna receptível recebe e quem não se torna não recebe.
De maneira que aqui tudo depende da nossa abertura. Hoje em dia a gente chama isso abertura. Ele não tem abertura para isto - receptividade. Não tem vacuidade para receber esta plenitude. Aqui, nós tornamos até certo ponto esvaziados. Nos esvaziamos disto. Aqui nós enchemos disto. E quando nos esvaziamos do nosso ego, nos transmentalizamos, então acontece a invasão cósmica da parte da plenitude. E nós sempre temos a impressão que a mensagem veio lá da via-láctea número 1 ou número 2. Não veio de lá.  A mensagem intuitiva não veio do universo externo, veio do nosso universo interno. Veio do nosso universo de dentro, que é o nosso Eu. Mas nós não sabemos nada do Eu, então concluímos que veio do nosso universo macrocósmico de fora quando devíamos saber, veio do universo microcósmico de dentro. Mas nós sabemos mais do macrocosmo de fora do que do microcosmo de dentro. A astronomia nos fala do macrocosmo de fora. A astronomia, a matemática, a física, todas falam do macrocosmo de fora, mas a psicologia diz que vai falar do microcosmo, mas ela não chega até lá.
Pela psicologia nós não chegamos até aqui. A psicologia para sempre no ego. No ego mental ou no ego emocional. Ela não passa de lá. Mas, se nós entrarmos na verdadeira filosofia de profundidade, aí nós descobrimos o universo dentro de nós mesmos. Descobrimos o nosso microcosmo. Então sabemos que a mensagem que recebemos realmente veio de fora, mas não de fora do além. Mas do fora do aquém. Isto é o além de dentro e não o além de fora. Há um além de fora no cosmos. E há um além de dentro que é a nossa própria alma.
Então verificamos que toda a revelação, toda inspiração, toda intuição em última análise veio de dentro de nós. Não da nossa periferia ego, mas do nosso centro Eu. Por isso é tão necessário - a gente ter autoconhecimento. Quando não sabe nada do seu centro e sabe só das suas periferias então não pode explicar donde é que veio uma mensagem cósmica. Logo, pensam que veio das estrelas. Que veio da via-láctea. Não!... Veio de dentro de nós mesmos.
Bem, vamos ter em mente estas explicações, quando começarmos a analisar alguns textos de Lao-Tse.
-Professor, para ser iniciado precisa de tempo.
-Não, tempo não existe na iniciação. Tempo e espaço não existem.
-Mas, se a pessoa não tem tempo... para se dedicar a isto, não pode...
-Ah! Não tem tempo, tem que fazer coisa mais importante, não é? Ganhar dinheiro, comprar automóvel...

***

TRANSCRIÇÃO DA AULA 18 - Lao-Tse e a Gnose


Curso 78
Aula 18 – data 19/09/78
Lao-Tse e a Gnose
Huberto Rohden

            Gnoses – é mais antigo que o próprio cristianismo. O jornal de ontem, o Estado de São Paulo publicou este artigo: Um outro conhecimento – ele chama isto; e dá entender que é coisa nova, mas é tão antiga – mais antiga que próprio cristianismo. Já existia no tempo dos neoplatônicos, na Alexandria. Os grandes neoplatônicos. Eles usavam muito a palavra Gnoses. E há pouco apareceu na França o livro: A gnose de Princeton. Dos corifeus atômicos. O que é gnose? Ele explica bastante bem aqui. Está entrando na teologia humana. É um conhecimento intuitivo que os gregos chamavam classicamente gnoses – é conhecimento... mas, não conhecimento só pela inteligência, pela análise intelectual. Eles classicamente chamavam gnoses um conhecimento puramente racional, não intelectual. Do Logos, portanto; que vem de cima para baixo, que não pode ir para cima. Gnoses, a intuição é assim↓ - na análise é assim ↑.
            Pela inteligência nós analisamos de baixo para cima. Chegamos muito longe. Mas pela intuição nós recebemos de cima para baixo. Então eles chamavam gnoses mais uma sapiência do que uma inteligência, mais um saber intuitivo do que um inteligir, puramente dito, analítico.
            Bem, estas palavras - é bom saber para que não é novidade propriamente. O uso é novidade, mas, a coisa em si é antiqüíssima.E nos primeiros séculos do cristianismo houve um partido imenso dentro do cristianismo chamado os gnósticos. Eram cristãos verdadeiros. Afirmavam que se podia conhecer Deus por intuição diretamente sem ser pela crença que é uma coisa muito indireta, nem pela inteligência que é outra coisa indireta. Mas se pode conhecer Deus pela inteligência. Os fiéis crêem em Deus, mas, isso não é saber, isto é crer, aceitar sem saber. Então os gnósticos diziam, não, nós não precisamos só crer em Deus. Nós podemos conhecer Deus racionalmente pela razão, pelo Logos, intuitivamente. Isto é que eles chamavam Gnoses.
            O Novo Testamento, sobretudo as epístolas de São Paulo está cheio dessa palavra. Gnoses. Muitas vezes epi-gnoses o conhecimento profundo. É bom saber isto para que quando aparecerem estas palavras, não pensarem que é alta novidade. Não é novidade em si, apenas o uso.
Agora vou ler um capítulo no 4 do Lao-Tse e vamos ver se analisamos um pouco estes mistérios de Lao-Tse. Primeiro eu vou ler todo o capítulo – é pequenino como todos os capítulos dele. O capítulo diz assim:

            Tao é como a plenitude,
            Que o uso jamais desgasta.
            É como uma vacuidade,
            Origem de todas as plenitudes do mundo.
            Desafia as inteligências aguçadas.
            Desfaz as coisas emaranhadas,
            Funde em uma só todas as cores,
            Unifica todas as diversidades.
            Tao é a Fonte do profundo silêncio.
            Atua pelo não-agir.
            Ninguém lhe conhece a origem,
            Mas é o gerador de todos os deuses.

            Vamos ver se conseguimos explicar este enigma.
            Primeiro, diz que Tao é uma plenitude, logo depois diz que é vacuidade. Mas é a mesma coisa, porque estas coisas são paradoxais. Por que é que ele chama de plenitude? Diz que Tao é a plenitude de todas as coisas e que nunca se desgasta pelo uso. Nós diríamos, Deus é o uno que não se desgasta pelo verso. A nossa linguagem de Filosofia Univérsica seria exatamente. Tudo isto seria exatamente o que nós chamamos de Filosofia Univérsica. Todo este capitulo, aliás, todo o Tao. É monismo absoluto. É o uno que produz o verso. O uno é a plenitude. O verso é as coisas que o uno produz. Está inteiramente dentro do nosso esquema de Uni – verso (universo).
            Então Tao é a plenitude – nós diríamos o infinito, o eterno, o absoluto, o uno, o ser, a essência, isto é plenitude. E nunca se desgasta pelo uso. Agora começa o mistério. Como é que uma plenitude que atua para fora nunca se desgasta. Quando as nossas plenitudes atuam, elas se desgastam. Vocês podem plenificar o seu tanque de gasolina, mas correndo um pouco já desgasta, não é? Não tem mais o tanque cheio de gasolina. E todas as nossas plenitudes se desgastam pelo uso. Por quê? Porque as nossas plenitudes são de quantidades. Mas aqui se fala duma plenitude de qualidade. A plenitude qualitativa não se desgasta nunca pelo uso. Qualidade pode produzir quantidades, mas a qualidade não se diminui porque produz quantidades. É importante não esquecer este princípio, que qualidade pode atuar por toda eternidade. Nunca gasta nada, porque não é quantitativa. É qualitativa. A qualidade produz quantidades. Isto nós chamamos creação.
Crear – na filosofia temos que dizer crear e não criar. A Essência crea as existências. A transição da qualidade para as quantidades nós chamamos crear. A palavra latina antiga é crear, não criar. Criar é a transição de uma quantidade para outra quantidade – filosoficamente. E a transição da qualidade para qualquer quantidade, ou seja, da Essência para qualquer existência se chama crear. Temos que distinguir em filosofia estas duas palavras embora tenham abolido crear. Nós temos que mantê-la senão há uma confusão de idéias. Para nós crear é uma coisa completamente diferente de criar. Criar é uma continuação de um finito para outro finito – criação – ou também de uma evolução. Evolução neste caso e criação é a mesma coisa. Mas, a origem de uma existência provinda da Essência ou do finito vindo do infinito – uma creatura vinda do Creador – isto é o que nós chamamos crear, em termos exatos.
            Então a plenitude crea todas as coisas, mas ela não se desgasta. Por que não se desgasta? Porque a transição duma qualidade para qualidade não sofre nenhuma diminuição. Vamos explicar isto por uma analogia da nossa própria vida.
            Se vocês pensam, vocês produzem pensamentos. O pensador se desgasta porque produz pensamentos, ele perde os seus pensamentos que pensou? Não. O pensador pensa os seus pensamentos, mas ele não perde os seus pensamentos pelo fato de pensar. Quer dizer, o pensador não se desgasta porque pensa. Podemos dizer que se desgasta o cérebro. Mas o cérebro não é a fonte do pensamento. É apenas um canal, o pensador verdadeiro. Aqui ele representa uma qualidade. E ele produz quantidade de pensamentos, mas ele não se desgasta. Ele não perde nada pensando. Ele não perde nada do seu poder de pensador.
            Ou outra comparação: Amar – o amante não perde nada pelo amor que dá aos outros. Pelo contrário. Quanto mais amor ele dá mais poderoso ele fica no seu amor. Quer dizer, uma qualidade finita que dá de si, se enriquece em vez de empobrecer. Mas, como aqui não se trata duma qualidade finita, mas de uma qualidade infinita, Tao, o infinito não pode ganhar. Vocês não podem aumentar o infinito, então não seria infinito. Mas por outro lado o infinito também não pode perder. Nós podemos, nas qualidades finitas ganharmos pela atuação, mas não perdemos nada, mas a qualidade infinita não pode ganhar, mas também não pode perder. 
            Uma vez alguém me escreveu que não podíamos aceitar que uma creatura se aniquilasse, que uma creatura humana, vamos dizer, se perdesse. Que sucumbisse à morte eterna como diz o Evangelho, que não fosse a vida eterna, mas sucumbisse à morte eterna. Quer dizer, à extinção. A morte eterna no Evangelho quer dizer o aniquilamento da creatura. Então alguém me escreveu que isto não se podia aceitar porque nós somos centelhas da Divindade. Cada um de nós é uma centelha da Divindade, imaginando a Divindade como uma grande fogueira e nós somos centelhas, fagulhas que saíram da fogueira. Isto é o modo geral que os poetas pensam, a relação entre o creador e a creatura. Chamam as creaturas, centelhas do creador, ou centelhas da Divindade.
Esta expressão poética não é filosoficamente correta. Pode-se usar em poesia porque na poesia não se precisa de precisão. Precisa de beleza, mas não de exatidão do pensamento. Mas, na filosofia nós queremos exatidão, acribia. Esta palavra grega, não é usada no Brasil, mas na Europa é muito usada. Acribia quer dizer precisão. Precisão absoluta. Então, na acribia filosófica nós não podemos dizer que nós somos centelhas da Divindade, porque a centelha está fora da fogueira. Enquanto ela está na fogueira não é centelha porque centelha é quando salta fora. E lá fora ela se apaga.
E agora? É claro que a fogueira se diminuiu por uma centelha. Ela já não é mais do tamanho de antes porque perdeu uma centelha. Por menor que seja é uma pequena perda. Então aquele que me escreveu uma carta disse, se alguma creatura se extinguisse, se perdesse, se aniquilasse, o próprio Creador sofria diminuição na sua divindade. E isto não pode acontecer. O Creador não pode ser diminuído por causa da perda de uma creatura. Então esta perda da creatura, ele dizia, é impossível. Todas as creaturas têm que voltar ao Creador (isto é muito bonito). Todas as centelhas da fogueira têm que voltar à fogueira para que a fogueira não se extinga realmente.
Bem, isto é poesia, mas não é filosofia. Nós não somos centelhas da Divindade. Centelha é uma coisa separada. Nós nunca estamos separados do todo, do infinito, do Tao, da plenitude. Nós somos apenas manifestações, mas não somos partículas ou parcelas separadas de Deus. Quem pensa que ele está separado de Deus vive numa grande ilusão e isto se chama pecado. Perguntaram a Ramana Maharshi lá na Índia, em Arunáchala, aquele grande iniciado dos últimos tempos, (temos livros aí, Dias de Grande Paz, escrito por um discípulo dele) – perguntaram: o que é que o sr entende por pecado? Maharshi respondeu: pecado é a ilusão de uma existência separada de Deus.
Exatamente o que nós entendemos por pecado. Pecado é a ilusão de que eu exista separado de Deus. Eu não posso existir separadamente de Deus. Os finitos não estão fora do infinito. Nenhum finito pode existir um segundo se não estiver no infinito porque ele é sustentado pelo infinito. Os finitos não estão fora do infinito. Estão todos dentro do infinito, mas pode ignorar que eles estão dentro do infinito. Quando então vive na ilusão de se julgar separado de Deus, então ele vive no pecado. Em última análise todo pecado é um erro, é uma ilusão, não ótica, mas uma ilusão mental.
Quando então alguém descobre que ele não está separado de Deus, mas que ele está unido a Deus, então isso chama redenção. A redenção é a verdade de que eu estou unido com Deus e o pecado é a ilusão de eu estar separado de Deus.
Bem, isto cabe muito bem aqui. Nós não somos centelhas da Divindade por isto é uma ilusão que algum finito possa existir fora do infinito. Nenhum finito pode existir, mas pode ignorar e isto acontece conosco. A natureza inferior não comete este erro porque na natureza animal e vegetal não há verdade nem erro. Erro e verdade só pode haver em nós. A nossa mente é que produz o erro. A nossa razão é que produz a verdade. Mas como no animal não há inteligência nem razão o animal não pode viver no erro. O animal também não pode viver na verdade.
Verdade nós chamamos a harmonia entre o nosso pensamento e a realidade. E erro nós chamamos a desarmonia entre o nosso pensamento e a realidade. Mas o animal não pode viver na idéia, eu estou harmonizado com a verdade. Isto seria a verdade. E também não pode pensar que eu estou desarmonizado com a verdade, com a realidade. Isto também não pode ser. Só nós, seres humanos podemos ter verdade ou erro. O animal só pode ter ignorância. Não devemos confundir ignorância com erro. Erro é muito pior que ignorância. Porque erro é um juízo errado, mas ignorância não é nada, é simplesmente ausência de conhecimento. Ausência de conhecimento nós chamamos ignorância, mas não é um conhecimento errado, ignorância. É simplesmente ausência. O não conhecimento nós chamamos ignorância e o conhecimento errado nós chamamos então a ilusão.
Bem, então vamos voltar à idéia da relação entre nós e a plenitude. Cada um de nós é uma manifestação parcial, muito pequena, da plenitude. Cada um de nós é uma manifestação parcial do todo, nunca uma manifestação total. Porque uma parte nunca pode manifestar totalmente o todo.
Se vocês lerem com atenção a Bhagavad Gita deve se lembrar o seguinte: a Bhagavad Gita faz uma comparação – Brahman e Maia. Maia é a natureza e Brahman é a Divindade. O que aqui se chama Tao em sânscrito se chama Brahman. Então, a Bhagavad Gita diz: a relação entre Brahman e Maia, a relação entre o Creador e a creatura. Maia revela Brahman, mas, Maia também vela Brahman. Velar é encobrir e revelar é descobrir. Cobrir o véu é velar, passar o véu não se vê mais nada. Isto é velar. Então encobrir, ocultar, velar é a mesma coisa.
Então a natureza revela Deus, diz a Bhagavad Gita, mas a natureza também vela, encobre, oculta Deus. Por quê? Porque a natureza é finita. Maia é finita e Brahman é o infinito, a plenitude. Nunca o finito pode revelar perfeitamente o infinito. Isto não é possível. Isto é contra a lógica e contra a matemática. Qualquer finito pode revelar imperfeitamente o infinito. Isto pode. Pode revelar parcialmente, vamos dizer, 1%, mas não pode revelar 100%. Se o infinito é igual a 100 e o finito é igual a 10, ou igual a 1, ou igual a 20, nunca o 10 pode revelar perfeitamente o 100. O 20 não pode revelar perfeitamente o 100. O 1 não pode revelar perfeitamente o 100. Mas, de fato não podemos usar a palavra 100, porque 100 é uma quantidade. Temos que recorrer ao infinito que é qualidade. Nunca nenhum finito pode revelar totalmente o infinito, isto é absolutamente contraditório. O finito só pode revelar finitamente o infinito.
E por isto a Bhagavad Gita diz: todo o finito revela parcialmente o infinito. Mas porque nenhum finito pode revelar totalmente o infinito, por isto todo finito também oculta, encobre, vela, o infinito. E a Bhagavad Gita se serve da comparação da aranha e da sua teia. Eu gosto destas comparações da natureza. Diz: quando vemos uma teia supomos que haja uma aranha por aí, porque a teia não apareceu por si mesma. A teia é um efeito e a aranha é uma causa. Quando vemos uma teia dizemos que aqui há uma aranha que fez esta teia. E então diz a Bhagavad Gita: a teia revela a aranha, mas ela também vela a aranha. Ela descobre a aranha, mas também encobre, porque a aranha se esconde dentro da sua própria teia. Então ela faz isto como símbolo da Divindade. A natureza revela a Divindade, mas a natureza também encobre a Divindade.
Por isto é absolutamente impossível que contemplando a natureza pelos cinco sentidos ou analisando a natureza pela inteligência (são duas funções finitas) não é possível que isto nos dê uma idéia exata da Divindade. É muito bonito servir-se da natureza para ver o que a Divindade fez, mas nós nunca vamos ter um conhecimento exato de Deus pela natureza. Porque natureza é finita e Deus é o infinito. Então nenhum finito da natureza por mais belo que seja, mais poético, agradável, nunca dá uma noção exata do infinito.
            Bem, qualquer dos dois é um efeito. Não há nenhuma causa aqui. Mas, na filosofia nós queremos saber qual é a causa última, ultimérrima, ou a causa prima como diz a filosofia. Qual é a causa prima de todos os efeitos do universo. A causa prima, uma causa não causada, mas uma causa puramente causante. Porque aqui na natureza todas as causas são causadas. Antes de serem causas já foram efeitos. Agora a filosofia quer saber se nós podemos provar pelos efeitos bonitos da natureza, a existência duma causa infinita e não causada.  E Tomás de Aquino pensava durante sua vida que ele pudesse provar isto intelectualmente. E que alguém que estudasse bem a sua filosofia não podia ser ateu, nem agnóstico. Não podia nem negar Deus, nem ignorar Deus. Se alguém nega a Deus é chamado ateu. Quando alguém ignora a Deus é chamado agnóstico.
Tomás de Aquino dizia: Ninguém podia ser agnóstico nem pode ser ateu depois de ter estudado estes argumentos pela Essência – Deus. Isto ele chama palha. Porque ele teve uma visão, uma intuição, uma revelação da vida. Depois desta intuição que lhe veio de fora para dentro e não de dentro para fora, (as revelações são cósmicas e não são intelectuais)... Ele nunca mais escreveu nada, desanimou de toda a sua filosofia. E disse que tudo isto é palha. Não adianta escrever porque tudo é palha, porque não se pode provar o infinito pelo finito. Se alguém pensa que por efeitos finitos (como são todos os que podemos verificar, são efeitos finitos) se possa provar uma causa infinita não é verdade. Por efeitos finitos nós só podemos provar uma causa finita, mas nunca uma causa infinita.
Bem, eles usam aqui aquela comparação maravilhosa entre o relojoeiro e o relógio para provar que se pode provar a existência de Deus. Quem vê um relógio vai dizer: este relógio não se fez a si mesmo. Este relógio foi feito por algum relojoeiro. E assim nós podemos dizer, este mundo não se fez a si mesmo, mas foi feito por algum Creador. Essa comparação é completamente errada. Não vale nada. Porque a relação entre o relógio e o relojoeiro não é a relação entre o finito e o infinito. É a relação entre um finito chamado relógio e um outro finito chamado relojoeiro.
Falta de lógica! Mas eles usam isto nos colégios até para dizer: o mundo não se fez a si mesmo. E assim como um relógio não se fez a si mesmo, então o mundo não se fez a si mesmo, então o mundo deve ter sido feito por alguém fora do mundo como o relógio foi feito por alguém fora do relógio. Mas este argumento é completamente errado. É um sofismo, ou pelo menos uma falácia. Quando erramos por falta de inteligência chamamos isto falácia. E quando erramos por má vontade chamamos isto sofisma. Pode ser um sofisma de má vontade ou uma falácia por falta de inteligência.
Não é verdadeiro este argumento porque isto prova que há uma causa finita. O mundo finito só prova que há uma causa finita. Não prova que há uma causa infinita. Não há relação entre causa finita e efeito infinito. Não existe. Nós não podemos provar nenhuma causa infinita pelos efeitos finitos da natureza. Por isso, Tomás de Aquino reconheceu no fim da vida: tudo que escrevi é palha. Isto não é verdade. Ninguém pode provar o infinito pelos finitos. Nós podemos ter certeza do infinito, mas não podemos provar. Mas como a certeza não vem das provas, diz Einstein, mas a certeza é anterior a qualquer prova, nós não podemos provar o infinito, apesar de podermos ter certeza.
A certeza não vem das provas. As provas são da inteligência. A certeza não vem da inteligência. Se alguém nunca teve revelação que não vem da inteligência, intuição, que não vem da inteligência, então não tem certeza de Deus. Deve crer em Deus. Crer sim, todo o mundo crê e alguns descrêem. Mas muitos crêem. Mas nem o crente nem o descrente têm certeza. Porque a crença não dá certeza. Somente a experiência dá certeza. Quem não tem experiência imediata de Deus não tem certeza. Os grandes iniciados, os grandes místicos tinham verdadeira experiência de Deus. Eles não eram crentes nem descrentes. Eram sapientes.
Quando alguém sabe por experiência, por uma revelação íntima, o que é Deus, então ele está definitivamente seguro. Ninguém mais o pode demover desta certeza. Pode todos os ateus do mundo dizer que Deus não existe, aquele que teve experiência de Deus sorri de todos eles e diz, coitado, vocês não sabem o quanto eu sei.  É o caso dos mártires, por exemplo, que estavam diante dos maiores tormentos do Coliseu, para renegar Deus, o Cristo. Diziam: é melhor sofrer todos os tormentos do que renegar aquilo de que eu tinha absoluta certeza. E se entregavam à morte e aos martírios, horríveis. Mas, a força lhes vinha da certeza, a força não lhes vinha da crença, muito menos da inteligência. A força lhes vinha duma intuição ultra-intelectual, transmental, além da crença e além da ciência. Eles tinham a certeza além da ciência e além da crença, pela experiência imediata.
Bem, isto então é a nossa atitude em face da plenitude. Logo diz Lao-Tse: Mas, Tao também é a vacuidade. Nós dizemos, por que ele diz que é a plenitude se agora afirma que é a vacuidade? A plenitude é perfeitamente compatível com a vacuidade. Na realidade, não no plano horizontal da inteligência, sim no plano vertical da intuição. Deus é a vacuidade. Bem, vacuidade perante os sentidos e vacuidade perante a inteligência. O nada que pelos sentidos Deus é nada. Nós nunca vimos Deus, nós nunca ouvimos Deus, nós nunca tangemos Deus. Deus é um nada para os sentidos. É o não-existente. É o inexistente. É a vacuidade. E se alguém pensa que pela inteligência ele possa provar a existência de Deus, outra vacuidade, a inteligência nunca vai ter certeza de Deus. Nunca vai provar a existência de Deus. Quer dizer, tanto os sentidos como a inteligência, tanto a nossa parte empírica que são os sentidos como a nossa parte analítica que é a inteligência, estão diante de Deus na vacuidade.
Neste sentido diz Lao-Tse, para nós empiricamente e intelectualmente Tao é o nada. Tao é a vacuidade. Nós temos aquele mantra – Aum (Om) – que os hindus consideram sagrado, e na meditação eles murmuram (Oummmmm...) e cantam... O é consciência física. U é consciência mental, ummm, é consciência espiritual. Passando pelas 3 consciências. Consciência física (O) – consciência mental (u) e consciência espiritual (ummm)- fechando cada vez mais. Ó é aberto, u é semifechado, ummm é completamente fechado. Eles usam muito isto na meditação lá na Índia.
Então diz a Bhagavad Gita: murmura o mantra sagrado (Oummm...). Então eles ensinam como se deve murmurar. A gente pode ouvir o murmúrio, mas, sem palavras. Depois diz a Bhagavad Gita: depois de expirar a última vibração do m que é a última letra, isto é da consciência espiritual... Depois de expirar a última vibração do umm começa o grande nada. A palavra nada é sânscrita, não é portuguesa. Os portugueses trouxeram lá da Índia com Vasco da Gama. Em sânscrito significa o infinito.
 Então a Bhagavad Gita diz: quando passarmos pelas três consciências, consciência física (O) consciência mental (u) e consciência espiritual (um)– depois disso começa o grande nada. Nada – palavra sânscrita - quer dizer o silêncio absoluto. Lá onde não se pode mais ver, nem ouvir, nem tanger, nem pensar. Aí começa o nada. O nada é a plenitude. O nada parece uma vacuidade. O nada é uma vacuidade para os sentidos e uma vacuidade para a mente. É um nada sensorial e é um nada mental. Mas é o todo espiritual. Aliás, não é o espiritual propriamente, é o todo ontológico, o todo cósmico que vem além da própria consciência espiritual, vem o grande nada, o grande silêncio.
Nós temos em português diversas palavras sânscritas que vieram da Índia no tempo de Vasco da Gama e de seus companheiros que foram lá pelo oriente – ficaram algum tempo lá – deixaram muitas palavras portuguesas no oriente e trouxeram muitas palavras sânscritas para o ocidente. Assim a palavra nada não é palavra latina. Em latim é nihil. Mas, não tem nenhuma semelhança entre nada que é palavra sânscrita e nihil que é palavra latina.
Também trouxeram a palavra desmaiar lá da Índia. Não existe em latim esta palavra, porque desmaiar é perder a noção de maia, da natureza que é maia. Quando a gente desmaia não vê mais nada da natureza, não ouve nada, não sente nada, então desmaiou. Quer dizer, não sabe nada de maia. E os portugueses trouxeram isto lá da Índia – desmaiar. Não ver mais nada de maia. E hoje em dia é usado. Em português, desmaiar, todo o mundo conhece – perder a noção dos sentidos e da inteligência, isto é, desmaiar, não ver mais nada. Não ter mais consciência de coisa alguma.
De maneira que estas duas palavras – a plenitude e a vacuidade – são paradoxos, mas são uma grande verdade. Isto depende da perspectiva que se toma. Se eu tomo a perspectiva da intuição, então Deus é a plenitude. Se eu tomo a perspectiva dos sentidos e da mente diante da vacuidade, eu não posso saber nada de Deus pelos sentidos e pela mente. É nada, nada, nada. É vacuidade. Mas, se alguém já esteve em samadi que é um estado além dos sentidos e da mente... (em samadi, em êxtase, em verdadeiro êxtase e samadi que é uma intuição cósmica) então ele sabe que Deus é a plenitude.
Com relação a isto eu vou contar a história do templo de Saís no Egito. É uma coisa muito misteriosa. No Egito antigo havia um templo chamado templo de Saís, uma divindade. Lá se fazia o culto religioso à noite, os sacerdotes e iniciados faziam cultos religiosos e o povo assistia. Mas, atrás do templo de Saís havia um recinto sagrado, fechado em que nenhum profano podia entrar. O povo nunca podia entrar naquele recinto sagrado atrás do templo. Só os sacerdotes podiam entrar. Os iniciados podiam entrar, os profanos não podiam entrar.
Conta-se que um dia depois do culto religioso à noite, quando o iniciado tinha falado muito na Divindade que ele chamava Ra em Egípcio, um jovem ficou tão ansioso por saber o que era a Divindade. E tinha ouvido que os iniciados que entravam no sacrário vedado sabiam o que era Deus, mas que ele não podia saber o que era Deus.
Então ele se escondeu no templo. Quando o templo se fechou ele ficou escondido sozinho no templo. E quando estava tudo silencioso e escuro ele resolveu entrar no santuário proibido. Era proibido sob pena de morte, entrar no santuário sem ser iniciado e diziam que quem entrasse no santuário sem ser iniciado ia morrer imediatamente. O jovem quis fazer a experiência se ele ia morrer só por entrar no santuário. Entrou no santuário e não saiu mais.
Na manhã seguinte se abriu o templo e encontraram o jovem morto no chão. E disseram: bem ele penetrou no santuário vedado, morreu fulminado pela Divindade, porque não se podia entrar no santuário sem ser iniciado.  Até a Bíblia diz: Deus é um fogo devorador. Isto está na Bíblia. Ninguém pode ver a Deus e ainda viver porque Deus é um fogo devorador. E parece que isto também era a crença lá no Egito, que Deus não devia ser visto com olhos físicos, nem com olhos mentais. O jovem foi encontrado morto no chão. Os sacerdotes o levaram para fora e verificaram que ele não estava morto. Estava completamente desmaiado. E começaram a falar com ele a ver se ele ouvia. Ele não reagia.
Finalmente perguntaram: por que é que estás fulminado assim? Viste a Divindade e por isto ficaste fulminado assim? E o jovem abriu os olhos pela última vez e disse: vi a Divindade que é o nada. Porque naquele sacrário não tinha nada, nada, nada. Completamente vazio. E o jovem esperava encontrar a plenitude e só viu a vacuidade. O choque foi tão grande da decepção, porque ele entendia por plenitude, uma plenitude verificável pelos sentidos e analisado pela mente. E como ele não viu nada nos sentidos e não tinha nada para pensar nem para analisar caiu desmaiado, fulminado de decepção porque viu o nada. Deus é o nada.
Exatamente o que diz o Lao-Tse. Se alguém pensa poder ver a Deus como plenitude e só vê Deus como nada então ele está fulminado de decepção. Mas, contudo ele está em erro porque Deus apesar de ser o nada é também a plenitude. Se ele mudasse de perspectiva e saísse do mundo dos sentidos e da mente e se deixasse invadir pelo mundo do puro espírito então, ele saberia que Deus é a plenitude. Não a plenitude física, mas uma plenitude metafísica, uma plenitude cósmica.
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Leiam o capítulo 4 que eu ainda vou continuar a explicar o cap. 4. Ainda tenho muita coisa para explicar – sobre a plenitude e a vacuidade e o agir pelo não agir que é muito importante. O Tao age pelo não agir.

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TRANSCRIÇÃO DA AULA 19 - Lao-Tse e o Evangelho


Curso 78
Aula 19 – data 09/10/78
Lao-Tse e o Evangelho                
Lao-Tse e o Evangelho
Huberto Rohden


NOTA. Nos dois primeiros parágrafos, o áudio foi perdido. A transcrição começa logo em seguida.
      
      Aviso desde já que é um vôo ultra-extratosférico, de uma acribia mental absoluta. Se alguém não está em condições de voar tão longe e com velocidades supersônicas dos discos voadores, não vai entender nada. Porque estas aulas aqui de Lao-Tse são exclusivamente para a gente se habituar pensar corretamente. Um homem que passou 40 anos em completa solidão e silêncio lá nas matas da China, longe da sociedade barulhenta verticalizou-se - porque a sociedade é horizontal. A sociedade barulhenta não nos deixa pensar profundamente. Ninguém pode pensar profundamente na rua, na sociedade - só no mato, na solidão.
        Quer dizer, na sociedade nós somos egopensantes e só na solidão nós somos cosmopensados. E como este homem aqui ficou cosmopensado 40 anos...- e nós não somos cosmopensados, talvez nem um dia, talvez nem uma hora -, então para nós é uma dimensão completamente diferente. A gente pensar verticalmente, cosmicamente, intuitivamente... (este capítulo é completamente de intuição vertical, mística, cósmica), por isso nós tentaremos analisar, mas o principal não é aquilo que eu vou dizer. Isto é apenas uma seta na encruzilhada. Isto é uma seta para indicar a vocês em que direção vocês têm que pensar ou ser pensados.


ATENÇÃO (Início do áudio, aqui):

Seria melhor dizer ser cosmopensados do que pensar.
            Por isso, vou ler primeiro, estas poucas palavras cuja primeira parte é macrocósmica e a segunda parte é microcósmica. Vocês podem ver, as cinco primeiras linhas se referem ao macrocosmo sideral, e as outras linhas que vêm até o fim do capítulo se referem ao nosso microcosmo hominal. Quem lê com superficialidade essas coisas pensa que ele está moralizando, quer moralizar a humanidade. Não é verdade. Aqui não se trata da moralidade do agir. Aqui se trata da verdade do ser. Mas como a moralidade do agir é sempre uma conseqüência, um corolário da verdade do ser, nós não podemos tratar da moralidade do agir sem primeiro tratarmos da verdade do ser.
Então a primeira parte deste capítulo é a verdade do ser, tanto do cosmos como do homem. A verdade do ser, quer dizer, a parte ontológica. Vocês já sabem o que é ontológico, eu já expliquei. Aquilo que se refere ao ser e não ao conhecer que é lógico. Então a primeira parte deste capítulo trata da realidade ontológica do ser, tanto do universo como do homem. Tanto do mundo sideral como também do mundo hominal. Este capítulo está dividido em duas partes. A realidade ontológica do ser - na segunda parte ele passa para a aplicação, vamos dizer, a moralidade lógica do agir.
Eu vou fazer o possível para explicar isto, mas não garanto nada.
Eternos são o céu e a terra,
Porque não são egoviventes (aqui eu corrigi uma palavra, podem corrigir nos seus livros se quiserem - auto-existentes seria melhor do que egoviventes - na próxima edição eu vou dizer auto-existentes – porque aqui ainda não se trata do ego)
Eternos são o céu e a terra,
Porque não são auto-existentes,
Porque radicam em algo
Além deles mesmos.
Esta é a razão da sua eternidade,
Essa parte macrocósmica, depois vem a outra microcósmica. Então ele afirma que céu e a terra são eternos. O que é que ele quer dizer com céu e terra? Na filosofia chinesa tudo é céu e terra. Yin e yang. Yin e yang - é toda a filosofia chinesa porque uma parte diz do mundo invisível e outra parte fala do mundo visível. Lá na China eles chamam céu o mundo invisível. E terra o mundo visível. O que nós podemos ver, ouvir, tanger, isto é a terra. O que nós podemos apenas pensar, isto eles chamam céu. Não tem nada que ver com o céu verdadeiro, espiritual. Não tem nada que ver com isto. Quer dizer, o invisível é o céu e o visível é a terra.
Então ele diz: o mundo invisível e o mundo visível são eternos porque não existem por si mesmos. Não são auto-existentes ou egoviventes, como eu disse. Que quer dizer isto? Eterno só pode ser uma coisa que não existe por si mesmo. Vamos usar a palavra verso. Verso é temporário e uno é eterno. Então vamos usar as duas palavras. Eterno é o uno. Temporário é o verso. O verso pode eternizar-se, mas não por si mesmo. O verso só pode ser eternizado pelo uno. Assim seria a nossa terminologia exata. Repito: o verso seja visível, seja invisível, seja céu, seja terra, isto ele chama verso. O verso do universo. A parte creatural, portanto, do Creador. O uno é o creador. O verso é a creatura.
Então vamos dizer com nossas palavras: a creatura não é eterna por si mesma. Enquanto a creatura fica na sua creaturidade está radicada em si mesma e assim ela não pode ser eterna, porque uma creatura não pode ser eterna. Nenhuma creatura é eterna por si mesma. Mas, depois ele diz: mas pode ser eternizada. Uma creatura temporária pode ser eternizada. Naturalmente não por si mesma, isto não é possível, mas, pelo eterno. A creatura pode ser eternizada pelo eterno. O verso pode imortalizar-se pelo uno, mas o verso não pode imortalizar-se pelo verso, por si mesmo. Uma lógica absoluta!
Então ele diz: se o céu e a terra são eternos, eles não são eternos por si mesmos, por virtude própria, intrinsecamente, eles são eternos por algo que está fora deles. Por algo que está além deles. Quer dizer o temporário pode ser eternizado pelo eterno, mas o temporário não se pode eternizar por si mesmo. Aqui entra a célebre questão. Existe uma creatura eterna ou eternizável pelo menos? Aí estamos diante de um ponto de interrogação. Porque segundo o nosso modo de pensar toda creatura é temporária. Nenhuma creatura é eterna. Céu e terra têm que ser temporários, mas ele supõe que céu e terra podem ser eternos.
Por quê?  Agora vamos entrar profundamente neste pensamento. Vamos chamar... uma creatura é eterna ou não é eterna? O que é que vocês respondem a isto? Uma creatura qualquer, não se trata de homem, trata de uma creatura qualquer. Uma creatura pode ser chamada eterna ou não pode ser chamada eterna? Em que sentido uma creatura é eterna e em que sentido a creatura não é eterna?
-          Espiritualmente.
-          Espiritualmente não é filosofia, temos que usar outra palavra.
-          Na Essência.
-          Essência sim. Vamos jogar com Essência e existência. Agora estamos na pista certa.
Espiritual - não podemos usar porque isto é tema religioso. Na filosofia não existe espiritual, só existe Essência e existência. E são termos filosóficos exatos. Na Essência todas as creaturas são eternas. Porque a Essência é uma só. É o uno. As creaturas são o verso. O Creador é o uno. Então, o verso, a creatura é eterna no uno, no infinito, na Essência - não é existencialmente eterna. Agora escutem bem. Faça um adjetivo da Essência e da existência. O adjetivo da Essência é essencial. E o adjetivo derivado da existência é existencial. Vamos usar as duas palavras. A creatura - toda creatura é essencialmente eterna. Toda e qualquer creatura é essencialmente eterna. Nenhuma creatura é existencialmente eterna. Compreenderam isto? Fizeram a distinção com acribia mental absoluta entre Essência e existência?
            Então vamos aplicar isto. Uma creatura já existe desde toda a eternidade?
-          Existe, sim.
-          Não devemos dizer que existe, mas ela éÉ - é da Essência, existir é da existência, então podemos dizer: toda e qualquer creatura é desde toda a eternidade, por quê?
-          Porque a vida...
-          Por que é que toda existência é desde toda a eternidade? Porque a Essência não tem princípio e a Essência não tem fim. E existencialmente todo o finito está contido no infinito. Faça o favor de pensar com toda acribia.
            Todo finito está essencialmente contido no infinito. Está bem certo. Isto é matematicamente certo. Ninguém pode provar o contrário.  Isto é lógico, matemático, verdadeiro. É a mesma coisa. Isto é a pura verdade. A verdade a lógica, a matemática são a mesma coisa. Matemática no sentido em que nós tomamos, no sentido de Einstein. Então, todo o finito é eterno no infinito. Não é eterno no finito, mas é eterno no infinito. Quer dizer, a raiz do finito é o infinito. A árvore do finito não é, mas a raiz do finito está no infinito. Não pode haver um finito que não esteja radicado no infinito. Não pode haver um temporário, um verso que não esteja radicado no eterno, no uno. Isto é pensar corretamente.
            E nós? Nós somos creaturas humanas. Nós também somos eternos, ou não? Somos essencialmente eternos como qualquer creatura. Notem bem, nós não fazemos exceção para nós na Essência. Só fazemos exceção para nós na existência. Essencialmente nós somos como todas as creaturas. Nós somos essencialmente eternos, imortais, portanto. Imortalizados é a mesma coisa. Cada um de nós é na sua Essência eterno e imortal como toda outra creatura. Toda creatura quando morre deixa de existir como creatura, mas não deixa de existir na sua Essência.  Deixa de existir existencialmente, mas não deixa de existir essencialmente. Uma creatura morre existencialmente. Uma creatura morre cada dia, existencialmente. Deixa de existir como creatura. Ela nunca deixa de existir como Essência. Não deixa de ser como Essência, melhor. Porque a Essência é indestrutível, é eterna, é absolutamente indestrutível. A existência é destrutível.  A existência pode começar hoje e terminar amanhã. A existência pode começar um ano atrás e terminar um ano depois. Isto é existência creatural, verso, temporário, destrutível. Isto é a existência. Mas toda existência é eterna na sua Essência.
Isto precisa estar bem claro porque há infinitas discussões sobre isto nas igrejas, nas religiões, em toda parte e não chegam a um acordo. Afirmam a torto e a direito que nós somos imortais ou que não somos imortais, etc. Confusão de idéias!...- é claro que todos nós somos imortais na Essência. Mas o cachorro também é imortal na Essência. Mas esta árvore lá fora também é imortal na Essência. Mas o que as religiões não querem dizer é se nós somos eternos e imortais na nossa existência. Mas como eles não fazem distinções exatas entre ser e existir, entre uno e verso, entre Creador e creatura, entre Essência e existência - acabam em eterna confusão e não chegam a um acordo. Então vamos sair da confusão.
Toda e qualquer creatura, seja o que for, é eterna como Essência infinita porque a Essência não pode ser destruída, nunca a Essência será destruída. Ela não tem princípio e não tem fim e não tem possibilidade de destruição. Agora se trata da nossa existencialidade. Na existencialidade começa a diferença. Uma creatura na sua existencialidade seja pedra, seja vegetal, seja animal, seja hominal, na sua existência é diferente. Algumas creaturas não são eternas na existência. Mas todas são eternas na Essência. Antes de existir a creatura é e depois de deixar de existir a creatura continua a ser. Isto tem que ter toda clareza.
Portanto, essencialmente toda creatura é eterna, quer exista, quer não exista. Ela é essencialmente eterna e imortal. A creatura não começou essencialmente. Ela é essencialmente. Existencialmente as creaturas começam e terminam. Essencialmente nenhuma creatura começa e nenhuma creatura termina. Na Essência tudo é uno. Na existência é verso. O verso está radicado no uno. O verso do finito vem da fonte infinita. Verso é um canal. Uno é a fonte, verso é efeito. Uno é causa. Então todos os efeitos vêm da causa. Todos os canais fluem da fonte. Todos os finitos vêm do infinito. Todas as existências vêm da Essência. Precisa ter clareza sobre isto.
Qual é a diferença entre nós e o resto das creaturas deste mundo? Parece que nós, seres humanos, somos aqui no planeta Terra... - não vamos dizer no resto do universo, isto é muita presunção - mas, aqui no planeta Terra parece que nós somos a única creatura que pode eternizar-se, que pode imortalizar-se. As religiões afirmam afoitamente que nós somos imortais. Isto é infantilismo, isto se pode dizer no primário ou no jardim da infância. Porque nenhuma creatura é imortal por si. Existencialmente nenhuma creatura é imortal. Essencialmente todos são. Também os outros são imortais na Essência.
Agora as igrejas querem saber se nós somos imortais na existência. Então dizem que somos imortais na existência – é presente de berço, dizem. Quando nós nascemos, ou quando fomos concebidos antes de nascer, nós já éramos existencialmente imortais. Isto é um absurdo. Mas vocês não devem dizer isto nas igrejas, vão ser apedrejados. Mas, as igrejas não têm obrigação de distinguir. Têm de dizer coisas superficiais. A teologia é muito superficial. A filosofia é que é profunda.
Então na existência nós não somos imortais. Na Essência todos são imortais. E o que somos na existência? Na existência nós somos imortalizáveis. Tenho dito isto, mas, ninguém acredita. Na existência nós não somos imortais. Só na Essência nós somos imortais como todas as creaturas. Na existência - nós podemos imortalizar a nossa existência. Nós podemos eternizar a nossa creaturidade. Podemos eternizar o nosso verso. Podemos infinitizar o nosso finito, em outras palavras. De que modo nós podemos imortalizar o nosso finito,  de que modo nós podemos eternizar a nossa existência, quando apenas a nossa Essência é imortal? Mas, na Essência nós não somos homens. Nós não somos homens na Essência, nós somos homens só na existência. Na Essência nós somos o Ser. Na existência nós somos o existir.
O que é que nós podemos fazer para eternizar também a nossa existência humana, a nossa individualidade humana, portanto? A nossa individualidade, a nossa consciência individual humana...- ela pode ou não pode ser eternizada? Esta é a nossa célebre questão que nos desune de quase todas as teologias. Porque as teologias não compreendem que nós não somos imortais na existência. Que nós somos apenas imortais na Essência. Nós na filosofia afirmamos que nós somos imortais na Essência como todas as creaturas e somos imortalizáveis na existência. O que é necessário para lançarmos esta ponte entre a Essência e a existência?   O que é necessário para nós que não somos imortais na existência, nos imortalizemos também na existência? O que é que vocês acham?
-          Auto-realização.
-          Bem, é muito vago – auto-realização. Quero palavra mais exata.
-          União.
-          Mais inexato ainda do que auto-realização. Digam a palavra exata, qual é o mistério da imortalização existencial? Qual é o mistério, o segredo, a ponte, o traço de união, a transição para uma imortalidade ou imortalização existencial?  A palavra exata é consciência da nossa Essência. Na nossa existencialidade humana da cada dia nós não temos a menor consciência da nossa essencialidade, da nossa Essência. Nós só conhecemos um pouquinho da nossa existência, horizontal. A existência é horizontal, superficial. Se nós passássemos da superficialidade, da horizontalidade da existência para as profundezas da nossa Essência, então nós íamos conscientizar a nossa realidade.
Isto é o que nós tentamos fazer na meditação, nos nossos retiros espirituais. Não sei se alguém consegue. Conscientizar a realidade da sua Essência. Expressão exata. Devemos conscientizar a realidade da nossa Essência. Então nós imortalizamos também a nossa existência.
Pensar não é conscientizar. Pensar é uma coisa superficial. É conscientizar, ver a identidade da sua Essência eterna e dizer: a minha Essência é eterna. Na minha Essência eu sou eterno, eu sou imortal, eu não comecei a existir na minha Essência. Eu só comecei a existir na minha existência. Então se alguém vê claramente: eu sou eterno e imortal, absoluto, infinito na minha Essência, na minha profunda verticalidade. Nós comparamos a Essência com verticalidade. Eu sou eterno, imortal na minha Essência. Se alguém é capaz de conscientizar isto, então acontece o seguinte: ele transfere ou comunica, ou integra a sua imortalidade essencial para a sua existência mortal. E ele imortaliza também a sua existência. Ele não pode imortalizar a sua Essência, ela sempre foi imortal. Ele pode imortalizar a sua existencialidade humana. Isso no Evangelho se chama “Eu e o Pai somos um” – expressão célebre de Jesus. Eu e o Infinito somos um – eu e o eterno somos um - porque o eterno que ele chama o Pai - ele usa estes termos - o Pai, o Eterno, o Infinito, o Absoluto, o imortal está em mim – e eu estou no Eterno, no Infinito e no Absoluto. Eu e o Pai somos um porque o Pai está em mim – isto é conscientizar a eternidade. E eu estou no Pai. Depois ele diz a seus discípulos: o Pai também está em vós e vós estais no Pai.
Quer dizer, eu já imortalizei a minha existência, diz o Cristo. Eu já imortalizei a minha existência individual – porque o Cristo também é individual – porque o Cristo também é indivíduo. Vós ainda não imortalizastes a vossa existência individual, mas vós podeis imortalizar o que eu imortalizei. Vós sois potencialmente imortais. Eu sou atualmente imortal. Vós tendes a potencialidade de imortalizar a vossa existência que ainda não é imortal, mas é imortalizável. 
Eu, diz o Cristo, já atualizei a potencialidade da minha imortalidade. Eu não sou mais imortalizável. Eu já sou imortal, isso ele diz com outras palavras - vós sois imortalizáveis na vossa existência. Eu já sou imortalizado. Imortalizado é atualidade - imortalizável é potencialidade. Eu sou imortalizado na minha existência e vós sois imortalizáveis na vossa existência. Isto é a filosofia do Evangelho.
Nós sempre consideramos o Evangelho como teologia. É um erro fundamental. O Evangelho não é teologia. Teologia é uma coisa puramente mental. É uma coisa analítica. Filosofia é uma coisa cósmica, intuitiva, profunda, vertical. O Evangelho é todo vertical. Ele não é horizontal. O Evangelho não trata da moralidade do agir. O Evangelho trata da realidade do ser. Depois ele tira conclusões para a moralidade do agir. O agir é horizontal, o ser á vertical.
Então, isto é o que o Lao-Tse diz aqui: se o céu e a terra que são creaturas estivessem radicados na sua existência, eles seriam mortais... Temporários. Mas como o céu e a terra não estão radicados na sua existencialidade de céu e terra, mas como céu e terra estão radicados em algo que está além deles, em algo que está além da existência... é a Essência. Céu e terra não estão radicados na sua existência. Céu e terra estão radicados na sua Essência e por isto céu e terra são eternos, pelo menos potencialmente. Essencialmente eternos - não existencialmente eternos. Essencial e potencial é a mesma coisa. Céus e terra podem ser eternizados pela Essência.  Estas existências são eternas. Podem ser eternizados pelo poder da Essência. Naturalmente não pelo nosso poder humano, mas pelo poder cósmico. O Creador, se Ele quisesse poderia eternizar o céu e a terra.
Creaturas não são eternas. Nenhuma creatura é eterna – é atualmente eterna. Toda creatura é potencialmente eterna, mas atualmente nenhuma creatura é. Nem nós, nós também somos apenas potencialmente eternos. Mas quem eterniza a nossa eternidade potencial para uma atualidade eterna somos nós mesmos. Aqui está a grande linha divisória. Quem é que me pode imortalizar? Quem é que me pode eternizar? Deus, o Creador pode eternizar as outras creaturas, isto depende da consciência cósmica dele, mas não depende da nossa. Mas quanto à minha eternidade, quanto à minha imortalidade humana, eu sou o creador do meu destino, eu sou o comandante da minha vida - como diz o poeta. Eu me posso eternizar existencialmente, não essencialmente porque já sou. Eu sou essencialmente eterno, mas eu não sou existencialmente eterno. Eu não sou existencialmente imortal.
Eu, porém, posso pôr em ação o poder do meu livre arbítrio. Aqui entra o meu livre arbítrio como creador.  O meu livre arbítrio é creador. É um poder creativo. Meu livre arbítrio me pode eternizar existencialmente, porque não se trata aqui de uma eternidade essencial porque já existe. Mas, nós não temos ainda eternidade existencial que é apenas para nós uma possibilidade. Parece que para o animal não é nem possibilidade.
Bem, possibilidade da parte de Deus, mas não possibilidade da parte do animal. Nenhum animal pode conscientizar a sua Essência. Se o animal pudesse conscientizar a sua Essência eterna, ele também seria eternizado. E muitas sociedades espiritualistas pensam que isso seja possível. Que algum dia o animal que hoje não é imortalizável, possa algum dia chegar a se imortalizar. Então, essas sociedades espiritualistas supõem, (aliás, gratuitamente, nós não temos nenhuma prova disto) que o animal seja potencialmente imortal, isto é, imortalizável.
Bem se isto se pudesse provar nós devíamos dizer: os animais são todos imortalizáveis por si mesmo. Eles se podem imortalizar. Nós sabemos que todo animal é imortalizável na sua Essência. Isto toda creatura é, não há Essência mortal. Só existência mortal. Toda Essência é imortal. Existe só uma Essência. Aqui estamos outra vez no monismo absoluto. Quem admite muitas Essências está fora da filosofia, está fora do monismo. Monos, quer dizer um. Então na filosofia nós só admitimos uma única Essência. Mas admitimos muitas existências. As existências estão radicadas todas na Essência. Mas nem todas as existências têm a consciência suficiente para poder imortalizar a sua existência.
Parece que aqui na terra nós seres humanos somos os privilegiados que recebemos a possibilidade, a potencialidade, portanto, de conscientizarmos a nossa própria Essência e com isto imortalizarmos a nossa existência através da consciência da nossa Essência.
Vamos falar sempre em termos bem claros assim. Podemos imortalizar, eternizar a nossa existência temporária, humana, pela nossa Essência eterna. Então, podemos dizer, essencializamos a nossa existência. É o termo mais exato e mais conciso. Vamos essencializar a nossa existência, isto é, vamos tornar imortalizado o que é imortalizável.  A nossa existência é imortalizável, então, vamos tornar imortalizado o que é imortalizável. Isto é, vamos imortalizar-nos, nós que somos essencialmente imortais e existencialmente mortais, vamos fazer essa grande coisa, vamos transferir a nossa imortalidade essencial para a nossa existência mortal. Vamos imortalizar o mortal. Quer dizer, nós na Essência somos imortais, mas não na existência. Mas nós temos o poder de imortalizar também a nossa existência.
-          O que passa a existir quando é imortalizado?
-          A nossa individualidade. Nós tratamos da nossa individualização da nossa individualidade, que é a nossa existência. A nossa existência é a nossa individualidade. A nossa Essência é a nossa realidade. Devemos imortalizar a nossa existencialidade porque a nossa Essência já é imortal. É isto.
            Agora não quero fazer divisões sobre corpo, mente, emoções, isto tudo é indivíduo. A nossa individualidade tem muitos aspectos. A nossa individualidade humana tem um aspecto corporal, tem um aspecto mental, tem um aspecto emocional e talvez outros aspectos.Bem, também espiritual, podemos incluir uns aspectos da nossa individualidade. Em todo caso nós devemos imortalizar a nossa individualidade total, não parcial. Vocês pensam que a imortalidade não se refere ao corpo? É claro que se refere ao corpo.  Nós nunca estaremos sem corpo. Eternamente nós teremos corpo. Se nós imortalizarmos a nossa existência humana nós imortalizamos a nossa natureza humana total. Ah! Vocês pensam - salva tua alma. Como o corpo não precisa, somente a alma. Isto é estória de teologia – mas não é filosofia.  Nós não vamos salvar a nossa alma, nós vamos salvar a nós mesmos. É muito mais do que salvar a alma. Eu devo salvar a totalidade da minha natureza humana, na sua totalidade. A minha natureza humana pode ser espiritual, pode ser mental, pode ser emocional e até pode ser corporal.
            Quer dizer, eu devo imortalizar-me totalmente. Eu imortalizo a totalidade da minha individualidade humana. Veja como os mestres são exatos quando falam. O Mestre quando foi perguntado, qual era a coisa mais importante na vida humana, pelo doutor da lei lá em Jerusalém disse: Bem, a coisa mais importante, o primeiro e o maior de todos os mandamentos é este. Depois ele veio com quatro termos. Alma, mente, coração e corpo. Muito profundo. Amar quer dizer imortalizar-se. Amarás o senhor teu Deus com toda a tua alma, com toda a tua mente, com todo o teu coração e com todas as tuas forças. Forças se referem ao corpo. Quer dizer que ele traça uma espécie de sinal da universalidade. Ele traça esse sinal: +. E amarás o senhor teu Deus com toda a tua alma, com toda a tua mente, com todo o teu coração e com todas as forças do teu corpo. Isto ele chama o primeiro e o maior de todos os mandamentos.

                Alma


Coração        +            Mente


                 Forças do corpo

 



Nós diríamos, a coisa mais importante da vida humana é isto: a nossa imortalização. Isto é o sinal da imortalidade (+) - Eu – isto aqui é todo o meu indivíduo. Minha individualidade é isto: espiritual, mental, afetivo ou emocional e até corporal. Eu devo imortalizar-me. Eu não devo imortalizar isto aqui (alma) e deixar perecer isto aqui (corpo). Isto é teologia infantil.
-          É indiviso, não é?
-          É indiviso. Isto, sou eu, é a minha totalidade humana. Isto eu devo imortalizar.
Não, um pedacinho. A pontinha espiritual lá em cima, ou a pontinha mental aqui na direita, ou a pontinha emocional à esquerda, ou corporal no fundo. Não, não! Faça o favor de imortalizar-se completamente, de alto a baixo, sob os auspícios da consciência maior, porque o grau máximo da consciência é esse aqui. Espiritual é o grau máximo da consciência. Depois vem a consciência mental, vem a consciência emocional e até a consciência corporal, mas todos estão subordinados à consciência espiritual. Eu devo imortalizar a totalidade da minha natureza humana sob os auspícios da minha consciência máxima. Se isto é 100, e isto é 50 e isto é 30 então (estes números são arbitrários) então isto é 20, então eu devo imortalizar o 50, o 30 e o 20 sob os auspícios do 100. Isto seria: eu devo imortalizar-me mentalmente, emocionalmente e corporalmente, pelo poder do espírito.  Isto é o que está no Evangelho.
O Evangelho é pura filosofia cósmica. De maneira que isto é a nossa imortalidade total. Nós nunca estaremos sem corpo. Infelizmente nós confundimos corpo com matéria. E como a matéria do corpo vai lá para o cemitério ou vai ser cremada dizemos, bem o meu corpo não pode ser imortalizado porque já foi embora. Isto é bobagem, é infantilismo muito grande. O meu corpo pode ser imortalizado e deve ser imortalizado. Se eu imortalizo a minha individualidade eu imortalizo também o meu corpo. Corpo não é matéria. A matéria é uma forma provisória do nosso corpo. O nosso corpo irá conosco. Nós sempre teremos o nosso corpo. Não tenham tanta raiva do seu corpo. Digam: meu querido corpo, tu estás eternamente comigo.
Mas nós pensamos que o corpo material é que deve ser imortalizado. A matéria não pode ser imortalizada. A matéria nem existe. A ciência moderna diz que a matéria é pura ilusão. A matéria é uma abstração, diz Einstein. A matéria não é uma realidade. A matéria é um fenômeno, um epifenômeno, como ele diz. A matéria não é real. A energia já é mais real. E a luz ainda é mais real. E a luz cósmica é muito mais real que a luz concentrada. Então não vamos identificar o nosso corpo com a nossa matéria. A nossa matéria é uma forma provisória do nosso corpo. O corpo astral também é corpo. Mas o corpo astral não é material. E o corpo mental - também é corpo. E o corpo emocional – também é corpo.
Agora a parte mais baixa do nosso corpo é o corpo material que nós identificamos com o corpo. Nós identificamos a corporeidade com a materialidade. É o nosso erro. A corporeidade não deve ser identificada com a materialidade do corpo. A materialidade é um atributo provisório do nosso corpo. O nosso corpo se imortaliza com a totalidade da nossa natureza humana. Nós sempre teremos alma, mente, coração e corpo – se nos imortalizarmos. Isto diz o Mestre. Imortaliza-te na tua totalidade: espiritualmente, mentalmente, emocionalmente e até corporalmente.
Bem, isto são uma divagação que eu fiz desse texto aí, mas o fundamento está neste texto aqui do capítulo 7. Podem ler o resto – agora é fazer aplicação desta ontologia para a nossa lógica. Ele diz: assim é também o sábio. Assim como mundo é, assim o sábio é. Quer dizer, o sábio é muito cósmico. O cosmos é a fonte e o sábio é um canal que flui da fonte. Então o homem deve cosmificar-se, deve universificar-se. O homem deve viver de acordo com as leis do cosmos. Como o cosmos não pode ser imortalizado pela sua existencialidade, mas pode ser imortalizado só pela sua Essência, assim também o homem, o “anthropos”, não pode imortalizar-se pelo seu ego.
Ai ele diz claramente. O homem só pode imortalizar-se pelo seu Eu. O Eu é a Essência e o ego é a existência. Quer dizer, a nossa existência ego não se pode imortalizar pelo seu ego. Isso é taxativamente verdade. A nossa existencialidade ego não pode imortalizar-se pelo seu ego, mas a nossa Essência Eu pode imortalizar a nossa existência ego. Veja a lógica de tudo isto! Fora da lógica não há salvação. Também não há filosofia porque a lógica é a verdade.
Então, vocês querem imortalizar-se pelo seu ego. Mas é um erro de matemática. Imaginem, vamos dizer que o seu Eu é igual a isto (100) e o seu ego é este aqui (10). Então o que é que vocês estão tentando. Vocês querem imortalizar o 10 fora do 100. Você não pode, porque o 10 faz parte do 100. O 10 é uma partícula do 100. O 10 é a décima parte do 100, não é? Isto é ego (10). Isto é Eu (100). Você não pode imortalizar o ego independentemente do Eu. Isto é contra a matemática. Não é contra a moral, é conta a matemática. É contra a lógica. Vocês não podem imortalizar o pequeno destruindo o grande.
Se vocês perdem isto aqui, isto também está perdido. Mas, se vocês salvarem o 100 e não pensarem muito no 10 - se vocês imortalizarem este aqui, o Eu - se vocês desprezarem até certo ponto o 10, o ego, e disserem, eu não me interesso pela imortalização do meu ego, eu vou imortalizar o meu Eu. E depois que vocês imortalizarem o Eu vão olhar para trás e dizerem: ué! O meu 10 também está imortalizado. Com grande surpresa, imortalizei somente o meu Eu, o meu 100, e casualmente o meu pequeno ego também continua a viver. Porque este está contido neste. O pequeno está contido no grande. A parte está contida no todo. Mas o grande não está contido no pequeno. O todo não está contido na parte.
Então, na linguagem do Evangelho se chama isto: quem quiser salvar o seu ego e perder o seu Eu, perderá os dois. Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á. Mas, quem perder a sua vida (o seu 10) por amor ao 100, este imortalizará tanto o 100 como o 10. Pura matemática! Pura lógica! O Evangelho é pura lógica! Então o Mestre diz: agora não vos preocupeis muito para imortalizar este pequenino 10, não tem importância. Imortalizar é antes de tudo o vosso grande 100, o vosso Eu. Mesmo com o perigo de perder o vosso Eu – não vai perder, parece perder-se. Porque se eu salvo o 100, é claro que eu não perdi o 10. Eu não posso perder o 10 salvando o 100. Se eu salvar o todo eu salvo também a parte. Agora, se eu sacrificar o todo para salvar a parte então eu vou perder os dois. Eu vou perder os dois porque a parte não pode existir sem o todo. Mas se eu estou disposto a perder a parte então, eu vou salvar o todo e vou salvar a parte porque a parte é uma parcela do todo. O Evangelho é pura matemática, é pura lógica!
 E Lao-Tse está inteiramente na zona da lógica e da matemática. Por isto, vocês leiam intuitivamente este capítulo 7 e pense nestas coisas. Salvar o todo é salvar a parte.  

***

TRANSCRIÇÃO DA AULA 22 - Lao-Tse e a razão


Curso Filosofia Univérsica
Huberto Rohden
Aula 22                   
12/09/78

Eu vou ler primeiro uma parte do capítulo 14 de Lao-Tse:

Quem quer ver a Divindade (no original está Tao, e eu traduzo por Divindade, também se pode traduzir por realidade),
Não a verá,
Porque ela é invisível.
Quem quer ouvir a Divindade,
Não a ouvirá,
Porque ela é inaudível.
Quem quiser tanger a Divindade,
Não a tangerá,
Porque ela não tem forma.(E no fim do capítulo também, quem quer inteligir a Divindade não a inteligirá porque ela é ininteligível).
Nenhum caminho parcial
Conduz para a meta total (isto é importante, nenhum caminho parcial como estes dos sentidos conduz para a meta total).
Somente a visão do Todo faz conhecer a Divindade (imaginem, é um desafio).

Então ele diz: não se pode ver, não se pode ouvir, não se pode tanger, não se pode inteligir a realidade. Diz que Tao é a realidade. A gente pode ver os fatos, as facticidades, pode ouvir as facticidades, pode tanger as facticidades, pode inteligir as facticidades. Não pode fazer nada com a realidade.  A realidade não é visível, não é audível, não é tangível, não é inteligível.
E agora? Como é que vamos chegar à realidade? Se nenhum dos cinco sentidos funciona, se a inteligência também não funciona? Aqui ele nega tudo. A visão não funciona, a audição não funciona, o tato não funciona, a própria inteligência nega fogo. E agora? Estamos fritos.
Isto me faz lembrar um livro que eu conheci quando estava estudando na Universidade de Innsbruck, na Áustria, onde apareceu um livro em alemão de um autor chamado Hans Vaihinger que levava um título: “A Filosofia como se”. Em alemão: “Die Philosophie als ob”. Eu vi aquele livro e disse: que título engraçado!.. “A Filosofia como se”. Então o autor explica: a verdadeira Filosofia não é dos sentidos, nem é da inteligência. Ele diz exatamente o que está aqui, com outras palavras. Não é dos sentidos porque isto é ciência, nem é da inteligência, porque isto também é ciência. A verdadeira Filosofia vai além dos sentidos e da inteligência. E agora? O autor pergunta - nós estamos dependendo dos sentidos e da inteligência, nós não temos outro recurso neste mundo. Vocês não podem fazer nada sem ver, sem ouvir, sem tanger e sem inteligir. Estamos desarmados.
Então o autor do livro diz: então nós devemos viver “como se” – como se os sentidos pudessem ver a realidade, como se nós pudéssemos ouvir a realidade, como se pudéssemos tanger a realidade, como se pudéssemos inteligir a realidade. Depois ele chama o livro: “Filosofia como se”. É tão estranho, quer dizer, nós devemos nos portar neste mundo como se o objeto dos nossos sentidos e da nossa inteligência fosse a própria realidade. Mas, diz o autor, devemos estar sempre alerta e dizer, eu faço de conta que vejo a realidade, mas eu não vejo. Eu faço de conta que eu ouço a realidade, não ouço. Eu faço de conta que eu tanjo a realidade, não tanjo. Eu faço de conta que eu possa inteligir a realidade, não é verdade.
No princípio parece que o autor manda fingir, manda mentir, manda fazer camuflagem e tudo. Não é verdade. Ele diz: nós devemos ser muito tolerantes conosco mesmos. Sendo que nós não podemos ver a realidade, nem ouvir, nem tanger, nem inteligir, devemos contentar com o que é possível. Devemos fazer como se nós víssemos a realidade. Como se... como se... como...- isto ele chama tolerância da nossa ignorância. Tolerância da nossa incapacidade.
Pura verdade! É exatamente o que está aqui. Se nós quiséssemos ver, ouvir, tanger, inteligir a própria realidade nós estaríamos restritos ao mundo dos sentidos e da inteligência, mas isto não atinge a realidade. Ninguém pode ver o que é real, nem ouvir, nem tanger, nem inteligir. E agora? Então nunca podemos saber nada da realidade? Parece que ele nega tudo. O Tao também. Aquele autor alemão também nega tudo. Nós não podemos ver a realidade, mas somente a visão do todo é que nos faz conhecer a realidade. Quer dizer, ele apela aqui para uma outra faculdade que não são os sentidos, que não é a inteligência. O que é? A visão do Todo.
Nós temos falado tantas vezes na intuição cósmica, e agora ele chama isto, a visão do Todo. Quer dizer, temos uma outra faculdade - que não são os sentidos e não é a inteligência, que não chegam até o fim da jornada... Param no penúltimo... Nunca vão ao último. Os sentidos param no antepenúltimo, a inteligência vai até o penúltimo.  E somente a razão que ele chama a visão do Todo (é o que nós chamamos a razão – o Logos) – não a inteligência, não me confundam inteligência com razão, por favor. Isto é fora da nossa filosofia. A razão que outros chamam o espírito, e outros chamam a intuição, tudo isto é a mesma coisa. Se nós permitirmos que a razão, a intuição, o espírito em nós, não o espírito de fora, mas, o nosso espírito... Se permitirmos que ele entre em função, então temos a visão do Todo. A visão do Todo pode fazer compreender as partes, mas uma visão parcial não pode fazer compreender o Todo.
É natural! É lógico! Se eu tenho a visão do Todo que é a Divindade, que é Tao, que é a realidade, então eu posso compreender os fatos. Mas se eu só tenho a visão dos fatos, a audição dos fatos, o tato e a inteligência dos fatos, eu não sei nada da realidade. Porque a realidade não é a soma total dos fatos. A realidade é para além de todos os fatos que os sentidos podem perceber e que a inteligência pode inteligir. Isto não é a realidade.
Quando eu li isto, eu pensei comigo: este capítulo seria inaceitável em qualquer faculdade, não só do Brasil, mas também fora do Brasil. Nenhuma faculdade, nenhum colégio, nenhuma universidade, nem no Brasil, nem na Europa havia de aceitar isto. Quer dizer, esta filosofia não se pode lecionar.  A nossa sim (a Univérsica aceita), esta aqui, não. Esta é a nossa, mas não é das faculdades. Porque as faculdades se contentam com inteligência. Nenhuma faculdade aceita intuição.
Bérgson escreveu um livro maravilhoso – “Intuicionismo” – mas isto não é intuição. O que Bérgson chama intuicionismo, isto é uma espécie de jogo com intuição. Intuicionismo é uma teoria sobre intuição. Tudo que acaba em ismo é vicioso. Vocês podem estar certos. Qualquer palavra que acaba em ismo é um vício. É um vício, não é a realidade. A realidade não tem ismos. A intuição é a realidade. O intuicionismo não é a realidade. A mística é a realidade, mas o misticismo não é a realidade. Espiritualidade pode ser a verdade. Espiritualismo não pode ser a verdade. Tudo que acaba em ismo é uma deturpação.
E assim este capítulo não seria aceitável em nenhuma universidade, nem da Europa, nem do Brasil. Porque as universidades não aceitam nada que vá além da inteligência. Bem, algumas universidades excepcionais não muito oficializadas aceitam. Em certos colégios se aceita o que vai além da inteligência, mas nas universidades oficiais, nas faculdades, dizem: o que não se pode inteligir não é verdade. Quer dizer, eles terminam a filosofia com a inteligência. Nós vamos além da inteligência e incluímos na filosofia também a razão, o logos, a intuição, o espírito, como outros dizem. A palavra espírito não é palavra filosófica. Razão é filosófica. Logos, como os gregos chamavam a razão é a intuição ultra-intelectual, transmental – o que vai além da inteligência, para além da mente, incluindo a mente, mas passando além da mente. Isto é o que nós chamamos razão.
A razão é uma faculdade cósmica, a inteligência é uma faculdade puramente personal ou pessoal nossa. A inteligência é ainda nossa, humana propriamente. O nóos – como os gregos chamavam a inteligência ainda era humano. Ainda é o nosso privilégio humano porque o animal não tem o nóos. O animal não tem o intelecto, não tem a inteligência. Mas dentro de nós dorme uma faculdade ainda superior ao nóos, ainda ultramental ou transintelectual - que vai além da intelectualidade, além da análise intelectual. Isto é que os antigos chamavam o logos – espécie de faculdade dormente, latente, puramente potencial; que na maior parte dos homens não funciona ainda.  Mas quando o homem chega a certa altura de evolução genuinamente humana, então desperta nele esta outra faculdade que chamamos razão – que os gregos chamavam o logos. E verificamos que quando começa a funcionar a nossa razão, o nosso logos, a nossa intuição, verificamos que é o centro do nosso Eu; que não é mais nenhuma periferia. Quando estamos na inteligência ainda estamos na periferia. Podemos desenhar o logos assim – representando isto por logos.


Centro (amarelo) e Periferias (vermelho e azul)

E ao redor disto certas periferias. E mais ainda outra. Podíamos dizer que aqui estão os sentidos, aqui está a inteligência e aqui está a razão. Poderíamos representar, o último reduto da nossa natureza é racional. Nesse sentido Aristóteles definiu: o homem é um animal racional – mas, não atualmente racional, apenas potencialmente racional. Imaginem se nós fôssemos atualmente racionais, seria uma maravilha. Mas o grosso da humanidade não é atualmente racional. Ele pode tornar-se racional algum dia se a evolução for adiante e bem longe. Mas como o grosso da humanidade não está no último estágio evolutivo, mas apenas no penúltimo, e outros no antepenúltimo. O antepenúltimo é os sentidos. O penúltimo, nós podemos dizer, é a inteligência. E o último, o ultimérrimo de todos os estágios evolutivos nós podíamos chamar a nossa razão, a nossa racionalidade, o nosso logos central, o último reduto da nossa natureza que é ainda não está funcionando na maior parte dos homens.
Enquanto os sentidos funcionam e a inteligência funciona, geralmente a razão não funciona porque ela é abafada pelos sentidos e pela inteligência. Mas quando os sentidos e a inteligência suspendem a sua atividade, então neste grande silêncio sensorial e silêncio intelectual desperta muitas vezes a razão. Então nós percebemos coisas que os sentidos não diziam e que a inteligência não analisava. Nós chamamos isto intuição. Tive uma intuição, mas nós não fabricamos a intuição nem na zona sensorial da nossa natureza, nem na zona intelectual.
A razão sempre parece uma invasão, parece uma mensagem do além, e temos a impressão que toda intuição que também se chama inspiração ou revelação, parece que não vem de nós... Parece que é um privilégio dos deuses – como se dizia antigamente... ou uma graça de Deus como diz a teologia moderna. O presente dos deuses na mitologia, ou a graça de Deus na nossa teologia, não vem de fora; vem de fora do nosso ego consciente, mas vem de dentro do nosso Eu inconsciente.
Agora quando eu uso a palavra inconsciente é muito perigoso. Inconsciente pode ser o que é menos que consciente e pode ser também o que é mais que consciente. O mundo racional, o mundo espiritual é inconsciente para o homem comum. Não inconsciente para baixo - que são os sentidos, mas inconsciente para cima que é a razão. Entre os sentidos e a razão está a inteligência. Esta é consciente. Quando nós somos conscientes, nós estamos funcionando na zona da inteligência. Quando passamos a ser inconscientes como de noite no sono, então nós descemos para o mundo dos sentidos. Os sentidos ainda podem funcionar, mas a inteligência não funciona mais.
E quando alguém está desmaiado está completamente inconsciente. Às vezes nenhum dos sentidos funciona. Isto não resolve nenhum problema, descer para o inconsciente, para o subconsciente não resolve nenhum problema. Ficar no consciente intelectual resolve os problemas de cada dia. Nós cada dia usamos a consciência intelectual para resolver nossos problemas horizontais. Os nossos problemas horizontais estão no nosso ego-consciente intelectual. Mas, para resolver algum problema ultra-intelectual que ultrapassa a horizontalidade da nossa inteligência – para isto é necessário outra coisa do que a inteligência. Precisamos ser invadidos pela razão, invadidos pelo nosso espírito.
Agora esta invasão não vem de fora. Sempre temos a impressão que quando eu me torno racional - aqui veio uma coisa de fora assim – que eu fui inspirado, eu tive uma revelação de fora. Deus me revelou, ou alguém me inspirou, ou alguém produziu uma intuição em mim. Isto é uma ilusão nossa... - que a inspiração venha de fora. A intuição, a inspiração, a revelação vem do nosso centro. Mas o nosso centro é muito mais além do que todos os aléns de fora. Quando nós dizemos além, nós sempre pensamos além para cá (fora), mas, isto também é além para nós. Isto é além da nossa inteligência e além dos nossos sentidos.
Quando então vem uma invasão daqui para lá (de dentro para fora) isto é a intuição. A intuição não vem de fora. Isto é, aparentemente ela vem de fora, mas ela vem do nosso centro. Mas o nosso centro é tão desconhecido como as vias lácteas do universo. Ainda mais desconhecido – nós estamos descobrindo pouco a pouco as coisas fora da nossa terra. Já descobrimos a lua e vamos descobrir os planetas e as vias lácteas. E vamos invadir as nossas vizinhanças cósmicas lá de fora. Isto é possível à inteligência. A inteligência pode criar uma técnica tão perfeita que nós possamos fazer o que os discos voadores já estão fazendo. Viajando fora da sua zona para outras zonas.
Nós ainda não conseguimos abandonar o nosso ambiente terrestre... - porque a lua faz parte da terra também. Nós nunca saímos fora do ambiente planetário da terra. Fomos até a lua, mas a lua faz parte da terra, ela veio da terra. Mas se nós conseguíssemos ir até Marte, até Júpiter, até Vênus, e às longínquas vias lácteas e as galáxias do universo, então nós faríamos uma viagem centrifuga – para fora de nós. Íamos para o grande além de fora. O grande além de fora vai ser conquistado pela inteligência algum dia... Mas isto não é intuição.
Nós temos um grande além de dentro. Talvez nós devíamos dizer – um aquém de dentro. É tão terrivelmente aquém que parece até além. Quer dizer, o que está tão intimamente dentro de nosso centro, nós ignoramos. Nós dizemos: eu não sei nada da minha razão, eu não sei nada do meu espírito. Eu não sei nada do meu Eu central. Isto para mim é um além, é um desconhecido. O homem esse desconhecido como diz aquele livro de Alex Carrel. O homem é conhecido nos sentidos, ele é conhecido no intelecto, mas ele é desconhecido na sua razão.
Quando então nós recebemos uma mensagem do nosso grande desconhecido, do nosso grande centro, então nós dizemos que tivemos uma intuição. A intuição não vem de fora, ela vem de dentro. Também revelação e inspiração que são sinônimos de intuição, vêm do nosso reduto mais central que uns chamam espírito, outros chamam alma. Em sânscrito chamam Atman, a psicologia moderna chama isto o Eu verdadeiro, o Eu divino, o Self em inglês, o Selbst em alemão, e outras línguas... - então nós temos a impressão que fomos invadidos por alguma força que não é nossa. Fomos invadidos pela nossa razão que é nossa, mas que nós não conhecemos. Fomos invadidos pela razão desconhecida. Então temos uma invasão de dentro para fora, de dentro da razão para fora. Fora que é a inteligência. O primeiro fora depois da razão é a inteligência. O segundo fora então são os sentidos. Então a invasão vem da nossa razão, do nosso logos, do nosso Eu central, do nosso espírito, e se projeta para dentro do nosso consciente intelectual.
Então, diz os grandes gênios, é preciso 1o tratar seriamente do intelectual e só no fim é que o racional vai funcionar. Eu penso 99 vezes, diz Einstein, e não descubro a verdade, eu deixo de pensar, mergulho num grande silêncio e eis que a verdade me é revelada. Palavras de Einstein. Tomás Edson, o grande inventor da eletricidade diz: eu preciso de 90% de pensamento (ele põe outras palavras, mas, é isto) para ter 10% de racionalidade. Eu preciso de 90% de intelectualidade para receber 10% de racionalidade. Ou na linguagem de Tomas Edson: “Eu preciso de 90% de transpiração para ter 10% de inspiração”. A transpiração é o trabalho analítico e intelectual que causa dificuldade, esforço. Então eu preciso de 90% de trabalho intelectual para receber 10% de inspiração de dentro de minha racionalidade.
Quem pára na intelectualidade é um talento, quem ultrapassa a intelectualidade é um gênio; nós não devemos confundir gênio com talento. O talento é uma função puramente intelectual. Plenamente consciente. Isto é um talento. O talento pode chegar ao máximo da intelectualidade, mas ele não ultrapassa a intelectualidade. O gênio é outra coisa do que talento. Ele recebe mensagens do seu próprio centro. Da racionalidade. Quando alguém é invadido pela sua própria razão então ele é genial, porque a razão em nós é a parte cósmica da nossa natureza. O que lá fora é o cosmos, dentro de nós é a razão. São a mesma coisa, da mesma qualidade. A cosmicidade lá fora é a cosmicidade de dentro.
A racionalidade do universo é a racionalidade da nossa natureza humana. Então nós temos sempre a impressão que nós tivemos uma invasão cósmica. E é verdade, mas não do cosmos de fora, nós só conhecemos os cosmos de fora. De fato tivemos uma invasão cósmica. Uma invasão do cosmos de dentro. Propriamente não devíamos dizer uma invasão porque in – sempre parece de fora para dentro. Devíamos dizer, uma erupção com vulcão. Tem erupções – depois rompe o fogo e tem uma erupção vulcânica.
Quando nós temos uma erupção de dentro do nosso centro, rumo a nossa inteligência, então nós fomos inspirados – nos tornamos geniais. Ao menos momentaneamente geniais. Porque o gênio é sempre uma função cósmica. O gênio não é uma função intelectual. O talento sim. O talento é uma função puramente intelectual. O gênio já é uma invasão racional, uma invasão cósmica.
Então, voltando ao nosso texto, diz: os nossos sentidos, visão audição, tato - nós temos em comum com os animais. Os sentidos são iguais aos animais. Sobre os sentidos então se constrói a inteligência, porque não há nada na inteligência, diz a filosofia, que antes não tenha estado nos sentidos. Tudo que nós podemos inteligir já passou pelos sentidos. Só podemos inteligir aquilo que vem dos sentidos. Para poder inteligir alguma coisa temos que ver, ouvir, tanger ou qualquer outro departamento dos nossos sentidos.
Mas, quando temos alguma invasão racional ou uma erupção propriamente racional, então não estamos mais dependendo dos sentidos. Não dependemos nem dos sentidos, nem da inteligência. Porque sentidos e inteligência são uma coisa só. Os sentidos são a parte inferior e inteligência a parte superior, mas são uma coisa só. Nada há nada na inteligência que antes não tenha estado nos sentidos.  Mas quando temos uma intuição cósmica os sentidos não funcionam e a inteligência não funciona. O que é que funciona? A nossa razão. Que sempre é um elemento estranho para nós, porque nós não estamos habituados a ter mensagens racionais, nós só temos pensamentos intelectuais, por via de regra. Mas quando vem uma mensagem racional do nosso centro então nós dizemos, alguém me deu uma notícia. Alguém me trouxe uma mensagem. Alguma entidade cósmica me inspirou. Alguma entidade do além me comunicou isto.
Os grandes artistas, os grandes poetas, os grandes músicos têm momentos de inspiração. Às vezes têm horas inteiras de inspiração. E quando eles estão inspirados pelo seu próprio centro, pela sua racionalidade que geralmente é desconhecida, então eles fazem obras maravilhosas. Escrevem música que eles nem pensaram. Ou escrevem poesia que eles nem pensaram, ou fazem uma obra de arte tão perfeita que a gente diz: como é que ele fez isto aqui, isto não pode ser pensado. E de fato não foi pensado. Então eu tive que inventar as palavras egopensante e cosmopensado. Quando nós somos egopensantes estamos na inteligência. Cada um está na inteligência quando é egopensante. Mas, quando ele consegue ser invadido pela razão, pelo seu Eu central, pelo seu Atman, pelo espírito, então ele não é mais egopensante. Então ele passou a ser cosmopensado. Também podemos dizer: primeiro nós somos ego-agentes. Agimos em nome do nosso ego intelectual.
E quando somos inspirados ou temos intuição então somos cosmo-agidos. Cosmo-agido é do nosso cosmos interno que é a razão, o logos que funciona rumo à nossa inteligência. Podemos também dizer que somos egoconscientes ou cosmoconscientes, ou egoviventes e cosmovividos.  É sempre a mesma coisa. Quando começa a funcionar a nossa faculdade mais íntima, mais central, o nosso verdadeiro eu, o nosso Atman, a nossa alma, o nosso espírito, a nossa íntima centralidade – então nós somos cosmo-agidos, cosmopensados, cosmovividos. Então vêm as grandes coisas.
O talento nunca produz grandes coisas. O gênio é que produz grandes coisas. O gênio dificilmente é compreendido pelos talentos. Porque o maior não é compreendido pelo menor. O talento não pode compreender o gênio, mas o gênio pode compreender o talento. O maior pode compreender o menor, mas o menor não pode compreender o maior. Então os gênios muitas vezes parecem que são entidades anormais, que são mesmos anormais. Não anormais para baixo, mas anormais para cima.
Há duas anormalidades. No hospício há muitas anormalidades para baixo. Quer dizer que tem menos que uma inteligência normal. Menos que uma inteligência normal é uma anormalidade para baixo. Mas também pode ter mais que uma inteligência normal. Ele pode transcender a sua inteligência e entrar na zona da razão, então também é anormal. Todos os grandes gênios foram considerados loucos pelos seus contemporâneos talentosos. É claro!  Eles são loucos. Quem faz uma coisa além da minha inteligência é louco. Nós pensamos que é para baixo da minha inteligência. Mas os gênios estão funcionando para cima da inteligência. Então eles não são tolerados pelos seus contemporâneos e conterrâneos. Muitas vezes são perseguidos, mal compreendidos, excomungados e muitas vezes assassinados.
Sócrates e Jesus e Mahatma Gandhi evidentemente eram gênios. Mas o mundo ao redor deles não era genial. E disseram: mas porque ele está fazendo isto? Isto é loucura. Ele diz que é filho de Deus. É blasfemo - disseram os judeus quando Jesus disse que era filho de Deus. Eles não podiam compreender que alguém se dissesse filho de Deus. Isso é uma blasfêmia, disseram. E quando Sócrates disse que não havia muitos deuses lá no Olimpo, que não havia Júpiter e Marte e Vênus, que havia só um Deus... Sócrates era um grande monista... Há só uma Divindade e não há muitas divindades. Então disseram: este homem está pervertendo a juventude, precisa acabar com ele. Então o envenenaram. Porque ele era genial demais para os seus contemporâneos. Os gênios são anormais para cima... e os intelectuais são normais no meio... e os loucos são anormais para baixo. Os loucos nós mandamos para o hospício e os loucos para cima nós mandamos para a cruz ou para a forca, ou assassinamos de qualquer outro jeito.
Quer dizer o mundo dificilmente tolera os anormais. Para os anormais de baixo nós temos pena porque não têm inteligência, nós mandamos para o hospício e cuidamos deles. Mas os anormais para cima, nós achamos que são ainda mais que loucos. Mais que os loucos para baixo. São tão loucos que não podem nem ser curados. Então é melhor eliminá-los do mundo. Acabar com eles.
Quando Cristóvão Colombo disse que havia terras para além do Oceano Atlântico e que ele se meteu a descobrir estas terras, ninguém lhe quis dar um navio para descobrir terras para além do Atlântico. Porque além do Atlântico não podia haver nenhum continente. O Atlântico acabava lá e se a gente fosse ao fim do mar, então caia lá para baixo. Eles não sabiam nada disto. Cristóvão Colombo que era um intuitivo genial disse: não, vamos para o oeste para descobrir outras terras que nós não conhecemos. Finalmente uma rainha espanhola lhe arranjou três navios e a tripulação necessária e todos acharam que era louco. Mas, não podia ser, como é que pode navegar por outro lado do mar e descobrir terras? Quer dizer, os gênios são incompreendidos e descompreendidos, considerados anormais e muitas vezes assassinados.
Aqui, neste capítulo há uma composição entre sensorial, intelectual e racional. Pelos sentidos não podemos compreender a Divindade. Pela inteligência não podemos inteligir a Divindade. Somente pela visão intuitiva nós entramos em contato com a Divindade. Na religião nós chamamos isto, os místicos. Os místicos são os gênios espirituais. Um místico nunca é compreendido pelos outros nem que sejam muito virtuosos e muito religiosos. Então ele é considerado louco de algum modo.
Bem em outra ocasião... – (me pediram que abreviasse um pouco aqui) vamos ler o resto que ele diz como é que a nossa vida muda inteiramente quando entramos na zona da razão. As superfícies luminosas se tornam escuras. Olhem bem: as superfícies luminosas da vida se tornam escuras. E as profundezas tenebrosas se tornam luminosas. Que coisa maravilhosa ele diz! Quando alguém entra na racionalidade a superfície luminosa de cada dia, uma coisa evidente se torna escura e as profundezas tenebrosas se tornam claras. Muda tudo. O que outrora interessava não interessa mais. E o que não interessava, isto começa a interessar. As superfícies luminosas se tornam escuras e as profundezas escuras se tornam luminosas. Isto é mudança completa na vida quando se entra na zona da realidade racional.

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